sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Quarto (Non sense?)

Abro meus olhos... Tento levantar a cabeça. Não consigo! Está escuro, a ponto de eu não enxergar nada. Nem um palmo à minha frente. Apalpo ao redor. Estranho! Não há nada, e parece que ninguém. Oh, meu Deus! O que está acontecendo? Será que...? Não, não pode ser. Ainda não.



O chão é o mesmo chão frio de sempre. Sinto meu corpo normalmente, com todos os membros intactos. Há algo errado, tenho certeza. Não posso ver nada, não sinto cheiro de nada... Não ouço nada também...
Não... Espere. Ouço algo, sim. Parece respiração. Uma respiração profunda, porém leve. Cada vez mais próxima. Mas, quem poderia estar nessa escuridão toda, além de mim?
-Olá? – digo eu na esperança de ter alguma resposta.
-Como vai? – a pergunta veio de uma forma tão natural que cheguei a estranhar.
Quem poderia estar ali? O que está acontecendo?
-Não muito bem, na verdade... Você sabe o que está acontecendo por aqui?
-Como assim? Não há nada acontecendo. Digo, nada demais.
Mas não pode ser... Tem que estar acontecendo alguma coisa. Não me sinto nada a vontade.
-Quero dizer, onde estou? Onde nós estamos?
-No lugar de sempre, oras. Exatamente onde deveríamos estar.
-Bem, isso não ajuda muito... Mas pelo menos não estou sozinho.
-É, parece que não. Mas, eu não entendo...
-O quê?
-Como você nunca notou esse lugar. Você está sempre por aqui.
-Não entendi. Como assim “sempre por aqui”?
-É. Você mais que ninguém deveria saber onde está. Deveria saber que lugar é esse.
-Mas como? Eu nunca estive aqui. Pelo menos até onde eu sei, porque não consigo ver nada.
-Eu também não, mas você me vê reclamar?
Tudo começa a ficar cada vez mais estranho. Como alguém pode achar tudo isso normal? Não se pode ver nada, não há nada ao redor.
-É... Quem é você?
-Ora essa!... Você também deveria saber. Estou sempre por aqui, junto com você.
Não pode ser! Me sinto cada vez mais disperso nessa conversa. Quem está aqui comigo? O que há, meu Deus?
-Eu já disse, meu caro. Não há nada que você não saiba, nem lugar que você não conheça – como ele ouviu o que eu pensei? - Você só tem que querer entender, querer enxergar. Olhe a sua volta. Abra os seus olhos. Abra as suas mãos. Escute tudo que se passa!
-Mas como? Meus olhos já estão abertos! Tentei, mas não vejo nada! Já tentei sentir onde estou, o que tem aqui... Mas minhas mãos não detectaram nada! E não há nada para se ouvir por aqui! Pelo jeito só temos nós dois nesse lugar! Pelo amor de Deus! O que há, o que aconteceu comigo? Quem é você? Que lugar é esse?
-Ora, garoto. Já devia ter percebido, não? Será que não notou ainda?
Já sei! Só pode ser isso! Só pode ser! Não tem outra explicação!
-Há mais explicações do que você imagina... Há quantas explicações você quiser que tenha. E não, você não está sonhando. Pense um pouco mais, meu caro.
A próxima possibilidade me coloca em pânico, que tento esconder da melhor forma.
-Eu... Eu, por acaso... Por acaso eu...
-Aaaahahahahahahaa... Não, você não está morto. Se bem que, diante da realidade, seria uma boa opção.
-O quê? Do que você está falando?
-Exatamente o que você está ouvindo. Mas, será que quer mesmo ouvir? Será que eu deveria dizer?
Mas o que é isso, eu não entendo mais nada!
-Vamos, meu caro. Me diga. O que você quer ouvir? Qual você gostaria que fosse a sua realidade? Qual lado da moeda você escolhe? E qual você não gostaria que caísse?
-Mas, por que dessas perguntas? Não fazem o menor sentido!...
-Ah, claro que fazem. E você sabe que fazem. Será que ainda existe sentido em alguma coisa? E você saberia me dizer o que faz realmente sentido?



Então me calo. Por que dessas perguntas? Será que existem respostas? E eu? Teria por acaso essas respostas? Me mantenho deitado, como estava quando abri os olhos e só havia escuridão. Meus pensamentos vão ficando distantes. Parece que depois de anos de vida, o universo resolveu finalmente me engolir, e me fazer passar por todo o processo de digestão. Sinto náusea, a cabeça roda... posso sentir minhas mãos tremendo, suando... Tento me controlar, mas todo esse controle se converte em lágrimas. O que está acontecendo comigo? Por que isso está acontecendo comigo? O outro também fica calado. Sinto novamente sua respiração. Ainda profunda, ainda leve... Seguro o choro, tento me acalmar.
-O que você quer de mim?
-Só quero que você me responda. Só estamos conversando, não é mesmo?
-Sim, mas se não notou eu estou com um problemão aqui. Não sei onde estou, não                vejo nada, não sinto nada a minha volta, e só ouço o som da sua voz.
-Mas não está sozinho, lembra?
-Sim, mas pelo visto talvez fosse melhor. Se não pode me ajudar, é melhor me deixar em paz.
-Ora, garoto! Mas do que você tem medo? Que eu te faça alguma pergunta que você tema em responder?
-Você não entende? Existem respostas que são complicadas de dar. Como às perguntas que você me fez.
-Hahaha... Não, meu caro. Talvez você não entenda. O fato não é que existem respostas difíceis de dar. O fato é que talvez não existam respostas. O que você tem feito da sua vida? Escola, trabalho, amigos... Família.
- O que tem isso a ver?
-Ora, preste atenção! Você já sentiu fome?Já sentiu frio? Já matou pra comer? Ou para obter algum tipo de renda?
-Ora, digo eu! Não me venha com essa de moralismo! Como se eu pudesse resolver os problemas do mundo! Aliás, esse foi o meu problema por muito tempo! Não é mais, e na verdade nunca foi mesmo!
-Mesmo?
Hesito um pouco em responder. Mas que se dane!
-Mesmo! E você? O que você faz?
Ouço uma risadinha...
-Exatamente o que você faz.
Agora me sinto mesmo confuso e perdido. Quem é ele? O que ele quer? O que faz nessa escuridão?
-Não pode ser! Eu sou eu, e você é você, seja lá quem for!
-Será? Você me garante que é você mesmo todo o tempo? O fato de estar cego, surdo e mudo não muda a realidade em que você se encontra sempre, qualquer que seja ela.
Me calo mais uma vez, e não para pensar simplesmente. Não consigo proferir palavra alguma. Entro em pânico novamente. Cego, surdo e mudo... Começo a tremer inteiro, sinto meu corpo se enrijecer. Eu tento, mas não consigo falar. Minha cabeça dói! E, agora que apalpo melhor, sinto algo que me molha, escorrendo pelo chão, debaixo de mim. Viscoso, um cheiro forte. Levo a mão à boca. Meu Deus! Sangue! Meu? Dele? Não consigo formular um pensamento lógico. É demais pra mim. Enfim consigo falar...
-Me diga, por favor! O que é isso tudo? Quem é você? O que faço aqui? Como cheguei aqui?
-Você me decepciona. Não percebeu ainda? Não notou a minha voz?
Agora que ele mencionou... Mas, como? Não...
-Sim! Eu sou você dentro de mim. No entanto, o que você tanto diz que não pode enxergar, eu vejo muito nitidamente. Quantas cores! Você não faz idéia.
Eu sou ele dentro dele... Essa conclusão me faz chorar novamente. Me faz estarrecer.
-O que está havendo comigo? – suplico entre soluços sinceros.
-Ahahahaha... Ora, garoto! O que mais poderia estar acontecendo? Você está enlouquecendo!
Dessa vez não consigo segurar um grito de terror!... Não pode ser! Não, não pode mesmo! Eu devo estar sonhando! Ele não me conhece, é só um personagem criado por um sonho, um sonho terrível, só isso! Eu estou bem. Preciso acreditar que estou bem. Dane-se o resto do mundo, danem-se as pessoas, dane-se esse sonho maldito!
-Não... Você não está sonhando. Sim, eu te conheço, e você me conhece. E sim, você está enlouquecendo. E pode se preparar. Eu vou continuar aqui com você...
Por um segundo ele se cala, e eu prendo a respiração.
-... Mas vai ficar cada vez pior.


Um comentário:

  1. Ótemo.

    Me senti na Cabine 103, enlouquecendo cada dia um pouco mais, um copo mais... Com gelo, por favor.

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