quinta-feira, 26 de maio de 2011

Reticente

Escrevo-te, em letras fáceis
De tão suave e complicado
Significado;
E no fundo queria eu
Ler-te, também
Como queria ler mais ninguém.


Diz-me que desapareci
Como em noites noir
Some o sono dos amantes;
Digo-te, estou aqui
Esperando, a cantar
Aquele mesmo olhar de antes.


Encontro maior que outrora
Seria ainda possível?
Pois que aquele era grande demais;
Me encontras distante, agora
Mas o encanto, ainda possível
Me espera atento lá fora.


Reticente ela aguarda inspiração
Que lhe advenha e faça belo
O dia que se atreve;
Aumenta o aperto no coração
Que se faz firme como elo
Pois que passa o tempo, e não me escreve.


Farto-lhe o sopro, sopro-lhe o ar
Paro-lhe o tempo e faço sonhar
Lhe farto da gente, te encontro lugar
Dou-te meus olhares, te dou...
Sobrará o que quiser.


E essa apreensão será reticente.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Cisma

Viajo sem rumo
(era o que eu queria)
Sonho em ramos
Me desfaço em sumo
E, em suma
Sumiria com você
Da minha cabeça
Se pudesse
Mas só se pudesse
Me fazer mais forte
Que essa vontade
De sumir sumido
Para qualquer cimo
Que cismasse em mim
Que sumisse por aí
Para encontrar-me
Encontrando-te
Por aí, qualquer canto
Meu encanto
Sem qualquer cisma
Em qualquer cimo
Em suma, queria
Sem rumo, sem rima
Fazer-te em ramos
Os mais belos floreios
De cabeça florida
Cinturaria um florete
Em tempos de paz
Para que me ponteasse
Em qualquer ponto
Me faria ponta
De lança em riste
Para que me sonhasse
E me desfizesse triste
Pois que me é mais forte
Em mim, mais forte
Essa vontade de corte
De me lançar a sorte
De cismar contigo
De somar a ti
Que some a minha cisma
De não querer sumir
Contigo, de forma alguma
Em qualquer canto
Como qualquer belo conto
Que se conta por aí
Por isso te conto
Por isso te canto
Histórias a cântaros
Meu encanto.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Aquilo que traz aquela dor.

Sinto agora em mim
A dor do parto
A dor daquilo que mal acabou de entrar
Que tão repentinamente sai
Aquilo me fez grande
Aquilo que me faz agora pequeno
Aquilo que me acalentou quando chorei
Que chorou quando acalentei
Que sorriu quando me enganei
E que me engana, toda vez que sorrio

Aquilo.
Aquela.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Trapos

Juntamos os trapos
Catamos os cacos
O tempo todo
Pisamos em ovos
Erramos de novo
Todo tempo
Olhamos de longe
Fazemos por onde
Sempre que dá
Dizemos verdade
Fingimos saudade
Sempre...
Faço da minha a sua casa
Tudo aberto sobre a mesa
O tempo que pesa na angústia
É o mesmo que corre no riso
Rasgam-se roupas e lençóis
E juntamos os trapos
Quebramos mobília e corações
E catamos os cacos
Contamos as horas
Pra que as horas passem logo
O tempo todo.

Epifania    S.f.: apreensão, geralmente inesperada, do significado de algo.

“Não basta sentir a chegada dos dias lindos. É necessário proclamar: ‘Os dias ficaram lindos’”.
Carlos Drummond de Andrade, Os Dias Lindos




Tudo bem, eu confesso. Sim, eu sinto a sua falta. E como me falta. Nem faz ideia, como eu não fazia até... sentir a sua falta. Tenho pensando comigo todo o dia - que só senti essa falta hoje - no porquê dessa distância e, portanto, no porquê dessa falta. Essa falta que me faz. Que me faz muita falta. Eu a sinto, bem aqui.
Mantenho em mim, e parece que gosto, o sentimento de solidão que me fazes, a melancolia que me apraz, que me faz sentir essa falta. Que é dessa falta que preciso. Nem sei se preciso tanto de você quanto desse sentimento que brota em mim por sua causa. Ou pela sua falta. Abro a janela e lá está... A lembrança de você. A falta de você. Você não está no céu azul. Não está nas flores que cruzam meu caminho. Nem no sorriso das crianças que vejo passar. Você não está em lugar algum. Não está na minha cabeça, nem dentro de mim. Senão não sentiria tanta falta. E sinto. Sinto muita falta.
Corro a abrir a porta, todo o dia, o dia todo, só pra ver se está por ali, a me esperar na soleira da porta - que nem soleira tem -, mas não está. Nos meus sonhos te procuro, e procuro sonhar contigo. Mas você não vem. Tento te puxar à mente, para que me sirva de inspiração, mas não te encontro. E por isso essa falta que me assola, me arruína, minha ruína. Mas que é minha força, ao mesmo tempo - “estranho isso”, sei que diria -, pois sei que de alguma forma você está. Não sei onde, que não te encontro. Mas sei que está. Não no canto dos passarinhos, nem na brisa de Abril, nem nos seios das águas, senão eu não sentiria essa falta. Mas sei que está, em algum lugar que não sei, que talvez nem me caiba.



Aperto os olhos e contraio as mãos. Quem sabe posso assim te sentir, te vislumbrar, no escuro da minha egoísta epifania, por trás dessas pálpebras, tão cansadas de longa espera e tão pesado fardo por tanta falta? Tanta falta. Você nem faz ideia. Como eu não fazia. E nada. Você parece não se importar. Onde está que não responde? Talvez não sinta tanta falta quanto eu, que nem sei onde está. Será que você sabe onde estou? Gostaria que me dissesse. Gostaria que não fosse tanta falta. Gostaria que fosse... Não sei o quê. Que essa falta que me faz, que sinto aqui, já é em mim. Já sou eu. E você já é toda essa falta.
Penso aqui que é engraçado. Quase trágico, tudo bem, reconheço. Mas sinto tanta falta que essa falta me sobra. Compreende? Acho que não. Se compreendesse é porque estaria aqui para compreender, ou complicar. Mas ainda sinto aquela falta. Essa falta. Falta que me sobra. Presença que me falta.
Você não está na minha canção favorita. Não está no movimento das nuvens, nem na chuva que cai - que não cai faz tempo -. Nem nos raios de sol, nem no brilho da lua ou os ponteios das estrelas. Se estivesse eu não sentiria tanta falta, que todo o dia, o dia todo, ouço minha canção favorita, que você não sabe qual é. Que todo o dia sinto os raios do sol. Que ao final do dia todo verei o brilho da lua, e ainda me fará falta. Muita falta. Porque não estará lá. Eu sei. E espero. Não me pergunte o porquê. Eu só espero. E me desespero, por não saber até onde irá essa falta que me faz. Talvez à uma estranheza do mundo, um sentimento de vazio. Não mais de falta, mas de vazio. Que no vazio não me fará mais falta. E poderei dormir, talvez, sem te procurar nos sonhos, sem te esperar à porta, sem abrir a janela. Mas então penso comigo: Será que essa falta de agora me fará falta no vazio? Só posso esperar pra ver. Pois que ainda espero te ver. E essa falta não fará mais sentido.
Não sei se notou, mas eu confesso. Com todas as letras eu confesso que me faz falta. Muita falta. Você não está aqui, não está ali, nem acolá. Você simplesmente não está. Tudo bem, não ligo que me faça falta. Me incomoda que não esteja.  Parece que graceja comigo ao ousar não aparecer em canto algum. Nem mesmo em meus sonhos. Que isso já está se tornando pesadelo. Essa falta de você. Essa falta de não sei o quê. Eu já havia dito antes, em algum momento, que quando matamos um sonho logo nasce outro no lugar, e não podemos fazer nada. E esse é o problema. Sei que ainda não morreu, pois sinto toda essa falta. Não me pode nascer outro sonho no lugar, nem alguma outra falta, pois esta ainda está aqui. Essa falta ainda está muito presente. Se é que me entende. Que nem eu consigo entender muito bem. Apenas sinto. E como sinto.
Cerro os olhos mais uma vez, com toda a força agora. Abro a janela novamente, olho pro céu de novo, escuto ininterruptamente aquela velha e bela canção, mas... nada. Tomo algum sol, cheiro algumas flores e assisto algumas crianças gargalhando. Já noite e saio a observar a lua. Em mais um esforço, ponteio o céu junto às estrelas. Não me vem você. Num último suspiro, corro até a porta, dessa vez mais seguro de tudo - mesmo que não haja nada -. E não há. Falta... falta alguma coisa.
 E sobra agora o vazio.





                                              
                                                                                   Thiago Cruz, 19 de Abril, 2011.