segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Velho Velho Oeste

Agora eu aqui, sentado nessa varanda, o sol se pondo ao fundo da minha cena, enquanto termino minha caneca de cerveja, enquanto o resto do mundo termina comigo. Tudo isso porque me acheguei nessa cidade, quase uma vila, quase uma cidade fantasma, há algumas horas, em busca de novo pouso, de novos ares, de algo novo, enfim.
Precisava de uma boa caneca de cerveja escura, pra refrescar o pó da estrada nas minhas roupas, nas minhas velhas botas, levantado pelo rolar das minhas velhas esporas, pelos cascos do meu velho cavalo. Entrei naquele saloon, sedento por algo novo, por novos olhares e, claro, por uma boa cerveja. Estava bem cheio àquela hora. Igual a todos os outros pelos quais eu houvera passado. Pra quem esperava coisas novas, em uma nova cidade, me pareciam as mesmas velhas coisas. Mas eu havia acabado de chegar.
Fui ter com o velho Mac Joe, o taberneiro. Estava lá, com seus velhos longos bigodes, seu velho avental, atrás do velho balcão, atendendo a velhos clientes. Mas tinha algo novo nele. Infelizmente, ele fechou antes que eu pudesse descobrir o que era. Mas os olhares... Ah, aqueles olhares, os mesmo velhos olhares, lançados sobre um estranho forasteiro, acabado de chegar de uma longa viagem, cansado das mesmas velhas coisas, saído de algum velho conto de faroeste, que nunca mudava. Ah, velho oeste.
Estava tranquilamente a tomar minha cerveja - que parecia a mesma velha cerveja de sempre -, e não pude deixar de ouvir as conversas ao meu redor. Parecia que o velho Jack Botas Sujas estava de volta à cidade. Matador de aluguel, velho carniceiro. Estremeço só de ouvir seu nome, e saber que está por estas redondezas. É o mesmo velho tremor, mas logo me acalmo. Penso comigo mesmo que, por ser uma cidade nova, John Mac Jones, o velho xerife, logo poria ordem na situação. Mas a cidade parecia uma velha cidade fantasma e o xerife uma alma penada, vagando por aí, mascando seu fumo, mofando sob seu velho chapéu de couro cru, mais ensebado que sua longa barba.
Nesta velha cidade, nada, enfim, me parecia mais tão novo. Acabei por me apaixonar - mesmo em tão pouco tempo por aqui - pela bela moça da cidade, Mary Ann. Apareceu na taberna - saloon, taberna, bodega, tanto fazia -, como um belíssimo raio de sol naquele lugar escuro e poeirento. Não me surpreendi ao perceber que todos os olhares de todos aqueles velhos homens voltaram-se para ela, e murmurinhos se ouvia. Achei por bem, forasteiro que era e homem destemido, oferecer “uma dose do que a moça for tomar, por minha conta”. Me arrependi logo após isso, ao ouvir do velho Mac Joe que a moça era noiva do Joe Quatro Olhos. Nome estranho pra um sujeito que tinha apenas um, arrancado a força de faca. Depois de tantas explicações, retirei minha gentileza. Destemido que sou.
Em um canto daquele lugar sujo, uma mesa estava rodeada por homens de olhares furtivos, misteriosos, jogando cartas com uma das mãos e a outra no coldre. Estavam ali - vim a saber depois - o velho Joe Cartas Na Manga, Abe Olho Vivo, Billy Boca Seca, Jimi Dedos Rápidos e Moe MacPerson. Após alguns poucos momentos de jogo, e servidas doses de Jack Daniel’s, ameaçaram uma pequena confusão. Todos já com os dedos nos gatilhos, prontos pra jogar mesa com cartas e copos pra cima. Alguma coisa a ver com “jogo de cartas marcadas”. Não fosse o velho Mac Joe intervir, com um tiro pro alto, a coisa teria ficado feia. Ele tinha qualquer coisa de diferente, juro! Mas, realmente, não tive tempo de saber o quê.



Cidade fantasma. As mesmas velhas coisas, os mesmos velhos tipos. E eu, o mesmo velho forasteiro, como na cidade anterior, e na outra, e na outra... Agora, com o sol já sumido no fundo do meu cenário perfeito, penso que entrei aqui a procura de uma nova cidade, de novas perspectivas, mas com a mesma velha expectativa. Talvez tenha sido esse o problema. As minhas expectativas deveriam, antes de qualquer coisa que eu procurasse, serem novas. Termino minha caneca de cerveja, e monto meu velho pangaré, pra cruzar novamente esse velho e nada amigável deserto. Agora com outro ideal na cabeça. Sei que o velho Mac Joe tinha qualquer coisa de novo, não sei o quê. Cavalgo em direção ao mesmo velho sol, no intocável e impassível horizonte. E, por mais velha que essa cena me pareça, é pra mim a cena perfeita, onde eu sempre deverei estar.
E afinal, não adianta procurar muito. Esse sempre será o mesmo e velho oeste, parceiro.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Desperto

Desperto, nova manhã
Tenho sonhos nas mãos
Vagos sonhos
Sonhos inacabados
Sonhos intermináveis
Tornam-se somente
Mais um quarto vago

E no que me torno
Todos podem descrever
Todos podem entender
Todos explicam
Todos sabem do que falam
Mas ninguém sequer
Me ouve

Não os culpo
Estou longe, disperso
E apesar de desperto
Não pronuncio palavra
Não digo nada
Preferiria gritar
Mas me mandariam calar
Eu sei

Talvez não queira mesmo
Que me ouçam
Que escutem
O que tenho a dizer
Mas pode ser
Talvez eu queira mesmo
Que gritem também

Qual a culpa em gritar
Senão a de se calar depois?
Qual a culpa em correr
Senão a de ter de parar
Em algum lugar?
Qual a culpa em sentir dor
Senão a de preservar a carne?

Qual a culpa em sonhar
Senão a de ter de acordar?
Qual a culpa em se cansar
Senão a de ter de descansar?
Qual a culpa em matar
Senão a de ser culpado?
E por quê?

Qual a culpa em duvidar
Se a ignorância é uma benção?
Qual a culpa em saber
Quando todos têm dúvidas?
Qual a culpa em calar
Quando todos querem falar?

Então
Qual é a dúvida?


Quarto (Non sense?)

Abro meus olhos... Tento levantar a cabeça. Não consigo! Está escuro, a ponto de eu não enxergar nada. Nem um palmo à minha frente. Apalpo ao redor. Estranho! Não há nada, e parece que ninguém. Oh, meu Deus! O que está acontecendo? Será que...? Não, não pode ser. Ainda não.



O chão é o mesmo chão frio de sempre. Sinto meu corpo normalmente, com todos os membros intactos. Há algo errado, tenho certeza. Não posso ver nada, não sinto cheiro de nada... Não ouço nada também...
Não... Espere. Ouço algo, sim. Parece respiração. Uma respiração profunda, porém leve. Cada vez mais próxima. Mas, quem poderia estar nessa escuridão toda, além de mim?
-Olá? – digo eu na esperança de ter alguma resposta.
-Como vai? – a pergunta veio de uma forma tão natural que cheguei a estranhar.
Quem poderia estar ali? O que está acontecendo?
-Não muito bem, na verdade... Você sabe o que está acontecendo por aqui?
-Como assim? Não há nada acontecendo. Digo, nada demais.
Mas não pode ser... Tem que estar acontecendo alguma coisa. Não me sinto nada a vontade.
-Quero dizer, onde estou? Onde nós estamos?
-No lugar de sempre, oras. Exatamente onde deveríamos estar.
-Bem, isso não ajuda muito... Mas pelo menos não estou sozinho.
-É, parece que não. Mas, eu não entendo...
-O quê?
-Como você nunca notou esse lugar. Você está sempre por aqui.
-Não entendi. Como assim “sempre por aqui”?
-É. Você mais que ninguém deveria saber onde está. Deveria saber que lugar é esse.
-Mas como? Eu nunca estive aqui. Pelo menos até onde eu sei, porque não consigo ver nada.
-Eu também não, mas você me vê reclamar?
Tudo começa a ficar cada vez mais estranho. Como alguém pode achar tudo isso normal? Não se pode ver nada, não há nada ao redor.
-É... Quem é você?
-Ora essa!... Você também deveria saber. Estou sempre por aqui, junto com você.
Não pode ser! Me sinto cada vez mais disperso nessa conversa. Quem está aqui comigo? O que há, meu Deus?
-Eu já disse, meu caro. Não há nada que você não saiba, nem lugar que você não conheça – como ele ouviu o que eu pensei? - Você só tem que querer entender, querer enxergar. Olhe a sua volta. Abra os seus olhos. Abra as suas mãos. Escute tudo que se passa!
-Mas como? Meus olhos já estão abertos! Tentei, mas não vejo nada! Já tentei sentir onde estou, o que tem aqui... Mas minhas mãos não detectaram nada! E não há nada para se ouvir por aqui! Pelo jeito só temos nós dois nesse lugar! Pelo amor de Deus! O que há, o que aconteceu comigo? Quem é você? Que lugar é esse?
-Ora, garoto. Já devia ter percebido, não? Será que não notou ainda?
Já sei! Só pode ser isso! Só pode ser! Não tem outra explicação!
-Há mais explicações do que você imagina... Há quantas explicações você quiser que tenha. E não, você não está sonhando. Pense um pouco mais, meu caro.
A próxima possibilidade me coloca em pânico, que tento esconder da melhor forma.
-Eu... Eu, por acaso... Por acaso eu...
-Aaaahahahahahahaa... Não, você não está morto. Se bem que, diante da realidade, seria uma boa opção.
-O quê? Do que você está falando?
-Exatamente o que você está ouvindo. Mas, será que quer mesmo ouvir? Será que eu deveria dizer?
Mas o que é isso, eu não entendo mais nada!
-Vamos, meu caro. Me diga. O que você quer ouvir? Qual você gostaria que fosse a sua realidade? Qual lado da moeda você escolhe? E qual você não gostaria que caísse?
-Mas, por que dessas perguntas? Não fazem o menor sentido!...
-Ah, claro que fazem. E você sabe que fazem. Será que ainda existe sentido em alguma coisa? E você saberia me dizer o que faz realmente sentido?



Então me calo. Por que dessas perguntas? Será que existem respostas? E eu? Teria por acaso essas respostas? Me mantenho deitado, como estava quando abri os olhos e só havia escuridão. Meus pensamentos vão ficando distantes. Parece que depois de anos de vida, o universo resolveu finalmente me engolir, e me fazer passar por todo o processo de digestão. Sinto náusea, a cabeça roda... posso sentir minhas mãos tremendo, suando... Tento me controlar, mas todo esse controle se converte em lágrimas. O que está acontecendo comigo? Por que isso está acontecendo comigo? O outro também fica calado. Sinto novamente sua respiração. Ainda profunda, ainda leve... Seguro o choro, tento me acalmar.
-O que você quer de mim?
-Só quero que você me responda. Só estamos conversando, não é mesmo?
-Sim, mas se não notou eu estou com um problemão aqui. Não sei onde estou, não                vejo nada, não sinto nada a minha volta, e só ouço o som da sua voz.
-Mas não está sozinho, lembra?
-Sim, mas pelo visto talvez fosse melhor. Se não pode me ajudar, é melhor me deixar em paz.
-Ora, garoto! Mas do que você tem medo? Que eu te faça alguma pergunta que você tema em responder?
-Você não entende? Existem respostas que são complicadas de dar. Como às perguntas que você me fez.
-Hahaha... Não, meu caro. Talvez você não entenda. O fato não é que existem respostas difíceis de dar. O fato é que talvez não existam respostas. O que você tem feito da sua vida? Escola, trabalho, amigos... Família.
- O que tem isso a ver?
-Ora, preste atenção! Você já sentiu fome?Já sentiu frio? Já matou pra comer? Ou para obter algum tipo de renda?
-Ora, digo eu! Não me venha com essa de moralismo! Como se eu pudesse resolver os problemas do mundo! Aliás, esse foi o meu problema por muito tempo! Não é mais, e na verdade nunca foi mesmo!
-Mesmo?
Hesito um pouco em responder. Mas que se dane!
-Mesmo! E você? O que você faz?
Ouço uma risadinha...
-Exatamente o que você faz.
Agora me sinto mesmo confuso e perdido. Quem é ele? O que ele quer? O que faz nessa escuridão?
-Não pode ser! Eu sou eu, e você é você, seja lá quem for!
-Será? Você me garante que é você mesmo todo o tempo? O fato de estar cego, surdo e mudo não muda a realidade em que você se encontra sempre, qualquer que seja ela.
Me calo mais uma vez, e não para pensar simplesmente. Não consigo proferir palavra alguma. Entro em pânico novamente. Cego, surdo e mudo... Começo a tremer inteiro, sinto meu corpo se enrijecer. Eu tento, mas não consigo falar. Minha cabeça dói! E, agora que apalpo melhor, sinto algo que me molha, escorrendo pelo chão, debaixo de mim. Viscoso, um cheiro forte. Levo a mão à boca. Meu Deus! Sangue! Meu? Dele? Não consigo formular um pensamento lógico. É demais pra mim. Enfim consigo falar...
-Me diga, por favor! O que é isso tudo? Quem é você? O que faço aqui? Como cheguei aqui?
-Você me decepciona. Não percebeu ainda? Não notou a minha voz?
Agora que ele mencionou... Mas, como? Não...
-Sim! Eu sou você dentro de mim. No entanto, o que você tanto diz que não pode enxergar, eu vejo muito nitidamente. Quantas cores! Você não faz idéia.
Eu sou ele dentro dele... Essa conclusão me faz chorar novamente. Me faz estarrecer.
-O que está havendo comigo? – suplico entre soluços sinceros.
-Ahahahaha... Ora, garoto! O que mais poderia estar acontecendo? Você está enlouquecendo!
Dessa vez não consigo segurar um grito de terror!... Não pode ser! Não, não pode mesmo! Eu devo estar sonhando! Ele não me conhece, é só um personagem criado por um sonho, um sonho terrível, só isso! Eu estou bem. Preciso acreditar que estou bem. Dane-se o resto do mundo, danem-se as pessoas, dane-se esse sonho maldito!
-Não... Você não está sonhando. Sim, eu te conheço, e você me conhece. E sim, você está enlouquecendo. E pode se preparar. Eu vou continuar aqui com você...
Por um segundo ele se cala, e eu prendo a respiração.
-... Mas vai ficar cada vez pior.


quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Despertar

Lembra aquele dia em que você me viu?
Lembra aquelas coisas que um dia eu fiz?
Lembra que eu cantava, e eu era mudo?
Mas hoje as pessoas já não cantam mais
Correm pelas ruas, se esquecem de tudo
Plantam musgo nos fundos dos seus quintais

...

Lembra, um dia você era só mais um
Lembra, aquilo tudo era só ilusão
Lembra que a verdade era só brincadeira?
Que o pão era só pura distração?
E hoje eu me lembro, quase com saudades
Que era melhor entrar no circo dos leões

Vai passar
Vai passar
Vai passar

Lembra que eles não sabiam o que dizer?
Que o que eles dizem já não cola mais
Lembra, a verdade nunca é derradeira
E mentir não tão ruim, se você não quer ver

Vai passar
Vai passar
Vai passar

...

Lembra aquele dia em que você me viu
Lembra, aquilo tudo era só ilusão
Lembra que o sangue já foi derramado
Mas lembra que isso tudo um dia vai passar
Lembra que isso tudo um dia vai passar
Lembra que isso tudo um dia vai passar...






Dedicado a um velho amigo.
"Com o despertar da razão nasce a angústia. Não seria melhor o sono?"

sábado, 22 de janeiro de 2011

Da série "Uísque"

Sabe quando você não acredita naquilo que tá acontecendo? Quando parece um momento mágico, até caótico, tão único que você sabe que nunca mais vai se repetir? Pois é, foi mais ou menos por aí. Mais ou menos, porque sei como ninguém que esses momentos existem. Mas também sei que eles sempre se repetem. E não é a toa que eu digo que cada noite do fim de semana deveria durar pelo menos dois dias.
               Maldita ressaca!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

“Admira-me como se pode mentir racionalizando.”
                                                                                        Jean-Paul Sartre

Quase noite. É o fim de uma tarde fria. Pessoas vão para suas casas, pessoas saem de suas casas. Algumas não têm casa. Algumas tentam encontrar o significado de “casa”, o mais profundo, ou o mais verdadeiro.  Às vezes é preciso parar...
Ele pára. E fica olhando... Para si mesmo, talvez. A paisagem, crescente e pungente, típica de paisagem urbana, ora. Imaginando, quem sabe, o fundamento de se pensar, considerando, para tanto, o fato de que somos os únicos animais inteligentes, pensantes, racionais... “Racionais...” ele pensa. Isso inclui pensar, antes de agir, no modo como suas próprias ações pesarão sobre nós e os outros. Inclui saber exatamente as conseqüências de determinadas atitudes. Significa entender perfeitamente o porquê de determinadas atitudes.
Ele olha as pessoas.

A convicção do cansaço quase o faz mudar de idéia. Mas ele sabe que as convicções valem aquilo que nós queremos que elas valham. A dúvida entre uma convicção e outra o mantém disperso, e ele continua caminhando. Ele olha as pessoas, mas sente-se sozinho. Sem ninguém ao redor. Assim ele decide se sentar. Segundos depois ele percebe que não é qualquer banco e, sim, o banco no qual ele, pela primeira vez, enxergou a real beleza da vida, num domingo de manhã, o céu azul, um dia lindo. Teve, inclusive, por alguns instantes a certeza de ter descoberto o tão enigmático sentido da vida. Mas, momentos depois, desistiu da apoteótica idéia. Era pequeno demais para tão grande segredo. E nada confiável. Sempre gostou de falar, mais que de ouvir. Como ele (logo ele!) poderia ser detentor de tão grandioso direito? Mas ainda assim de deliciou ao notar que poderia, ao menos, enxergar a beleza da vida e das coisas. E das pessoas.
“Animais!...” ele pensa. Toda a idéia de racionalização vem novamente a sua cabeça. “You gotta be crazy...”. O primeiro verso de uma velha canção lhe vem à tona. Devemos agir por instinto? E, por acaso, seria isso loucura? Se matássemos para comer, por exemplo, seria loucura? Se praticássemos sexo com o único e simples fundamento de procriar, seria loucura? Se morássemos em árvores, e andássemos nus...? Não. Não há mais árvores suficientes para todos nós. “Que pena”.

“Uma coisa é certa...” pensa. “Assim como animais, nós fazemos o que fazemos, o que quer que façamos, não para viver. É para sobreviver.” Ele sorri com a própria conclusão. E pára, pensando não ter sido humilde. “Expectador de mim mesmo”. Sorri novamente. E não pára.
“Sou expectador de mim mesmo, meu próprio público, oras. Sou quem decide se sou ou não engraçado, bom ou ruim, feio ou bonito. Sou eu. Eu me basto.” Dessa vez, para sua própria surpresa, não consegue segurar uma curta gargalhada. É uma pena que não haja ninguém para lhe ouvir pensar, ele pensa.

Ele pensa. Pois neste mesmo instante, a alguns metros dele em outro banco, alguém está sentado. Não fosse pelo óbvio - estar sentado -, poderia passar despercebido por qualquer um. Mas não por você, leitor atento. Tal alguém observa tudo ao redor, como se fizesse importantes considerações acerca de tudo que se passa a sua volta. E faz.
É um demônio. Um de cargo não muito alto, desses que se encontra a todo momento por aí. Adora a noite! Delicia-se ao ouvir as mentes pérfidas das pessoas, que passam sem notá-lo, assim como... Como não notariam um mendigo sujo e mal cheiroso pedindo pão. É isso! Assim fica mais fácil conhecê-las. Estão cansadas, de sacos cheios dos patrões, dos ônibus lotados, do calor insuportável que faz aqui, meu Deus! E como ele gosta da verdade. Nua e crua.
Está lá, já há algum tempo, observando nosso querido personagem. Quase não prestou atenção as outras pessoas, ao ouvir determinadas coisas de sua cabecinha pensante. Ficou especialmente tocado ao ouvi-lo pensar que se basta. “Puxa vida! Não se fazem mais cristãos como antes! Isso é lindo! Mas, será que nem um amigozinho?...” Ele então se levanta, andando na direção daquele por quem, subitamente, se apaixonou.

Como quem encontrou todos os lugares cheios, o funesto demônio senta-se ao lado dele. Mostra-se um pouco inquieto, porém, excessivamente relaxado. Para quem está inquieto, claro.
-Pode me arrumar um cigarro?
-Não fumo. – responde o rapaz, um tanto seco em sua resposta.
-Eu também não devia. – diz o funesto (nome pelo qual o tratarei daqui para frente) demônio, resignado. – Ainda bem que não saio sem minhas balinhas.
Então tira do bolso uma bala de maçã verde - sua preferida -, colocando-a na boca. Nosso amado notívago não deixa dar uma leve risadinha, divertindo-se com a situação.
-Bala?... – pergunta o funesto.
-Não, obrigado.
-Tranqüilo.
Depois de um momento, ele enfim fala.
-E se você se viciar em bala?
-Ah... Sei lá. Nunca pensei nisso.
-Deveria. Hoje em dia até o fato de ser viciado em sexo é considerado doença.
-He... Então, que eu morra, né não?
Os dois se divertem com a bela saída do funesto.
-Mas, não sei... Talvez ser viciado em bala seja melhor, ou menos perigoso que fumar, eu acho. Nunca fui viciado em bala.
-Quanto você fuma por dia?
-Quinze, vinte... Mas não ultimamente. Tô tentando parar, sabe? Não ando mais com maço de cigarros no bolso. Então, sempre que me dá vontade, procuro a pessoa que, pela cara, provavelmente não fume, e peço um cigarro. Geralmente dá certo. Às vezes acho um fumante.
-Sei. E quantas balinhas você tem chupado?
-Ah... Sei lá... Umas doze, quinze... Menos um cigarro, mais uma balinha.
-Pois é. Pensa bem, se você continuar chupando as balas e parar de fumar, existem duas possibilidades. Ou você se tornou um inveterado viciado em balas, ou na verdade você não tenha deixado de ser viciado em cigarro. E se um dia você, por exemplo, não tiver mais balas, ou simplesmente, quiser se livrar do provável vício das balas? Vai fumar um cigarro?
-Bem... Talvez um chiclete, quem sabe?...
O clima entre os dois começa a ficar bom, diferente daquele primeiro momento frio, de humor cortante. Faz frio e a noite torna-se agradável. É sexta-feira.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Velhos blues

Eu não me lembro exatamente do lugar, agora. Nem porque fomos parar lá. Sei que tocava uns velhos blues, fazendo fundo pra nossa madrugada, alcoólica e esfumaçada. E por isso tenho certeza. Devia ser o melhor lugar do mundo. Ou pelo menos o único aberto àquela hora.
Alguns poucos clientes, mas até que o lugar estava cheio, para aquela hora. Como um refúgio de criaturas escusas dessa cidade que só dorme quando algumas delas vão pra casa - ou seja, nunca -, podia se reconhecer algumas figuras, logo de cara. Uma, duas ou três prostitutas a procura do último osso da noite já falida; músicos voltando da noite de trabalho barato, onde provavelmente tocaram por algumas cervejas tipo B; um grupo de garotos e garotas, jovens demais para estar ali e velhos demais pra estarem em alguma matinê. Tenho dúvidas se era mesmo o melhor lugar pra se estar, ou o único aberto àquela hora. Mas ali estávamos nós.
Pra acompanhar figuras tão ilustres, num momento tão mágico de falência de noite, nada melhor que o melhor uísque da prateleira. No meu caso, o melhor uísque é o mais barato. O resto pede cerveja. Prefiro algo que me mande pra casa sem saber onde estava, ou que me faça querer ficar acordado de uma vez. E por falar nisso, percebo agora no fundo do bar um velho amigo. Deixo ele no canto, e desculpo a mim mesmo pelo desejo. Acendo um cigarro e dou o primeiro trago no uísque - ou o que quer que seja isso -. Ele me acena com a cabeça, e vou pra mesa de sinuca. Deixo ele no canto.
Entre uma jogada e outra fico observando tudo a minha volta, como de costume. Mas não sei se é essa coisa que desce pela minha goela, mas hoje tudo me parece tão bonito. É uma noite quente e, particularmente, essas noites pra mim sempre pareceram muito bonitas, convidativas. As pessoas parecem mais felizes, animadas! Essa falsidade sempre me pareceu muito bonita. Como se deixa algumas coisas de lado, mesmo que por pouco tempo, por um cigarro e alguns momentos de bebedeira. É preciso ser forte pra se enganar tanto. Sério! Fácil mesmo é seguir aquilo que sempre buscamos, aceitar a vida como ela é. Fácil é desistir de algumas coisas por outras. Por outros. Difícil é ter de se esconder atrás de uma parede de mentiras, de enganos, de noites falidas, de copos sujos, de sentimentos falsificados e trocados sinceros. Arranco mais algum dinheiro e pego mais uma dose. Sinceramente.
Perdi a partida de sinuca, e até me alegro com isso. Fico aliviado. Nunca fui de competir. Nunca me coube. Era como se, sempre que entrava em algum tipo de competição, eu entrasse já pra perder. Sempre foi muito mais fácil pra mim, fazer as coisas por mim mesmo. Sozinho com meus pensamentos, meus escassos momentos de genialidade e solidão, tudo ficava mais claro. Eu só tinha que provar as coisas pra mim mesmo. Não para os olhos de todos em cima, esperando por um resultado fantástico. Ou satisfatório. Por que todo mundo necessita competir? Pra quê provar alguma coisa pra alguém? Será que não se pode fazer nada pensando em si próprio? Pensando na própria satisfação? Se eu me satisfizer com uma derrota, qual o problema? Eles têm que controlar o que eu sinto, agora? Pelo menos eu posso desfrutar do meu... O que eu tava tomando mesmo?... Não importa. Acendo mais um cigarro, e tá tudo certo.
               Vou pra um canto do bar, onde está a jukebox, onde está tocando um velho Sonny Boy, e me pergunto onde ele está, e se ele tem feito algo novo. Não que eu saiba. Fico em pé, com meu copo cheio daquela coisa, o cigarro acabando na outra. Até que minha solidão é interrompida por uma bela moça, que só é bela - terei certeza disso pela manhã - por causa da minha embriaguez. Depois de algumas palavras trocadas, descubro que ela me quer. Fico meio incrédulo, e observo meus companheiros rindo de mim, na sinuca. Me fazem gestos, me encorajam. Não preciso de ninguém pra me encorajar a ceder aos desejos de uma moça bonita, mesmo que ela só seja bela nos meus devaneios embriagados. Acendo mais um cigarro, ofereço um a ela e peço mais uma dose. Já nem me importa muito de quê, pela manhã nem saberei onde estive mesmo.
               Mais alguma horas pra amanhecer, e eu aqui, no único lugar aberto da cidade. Ou seja, o melhor. Depois de mais alguma conversa, descubro que a bela moça me quer, mas por alguns trocados. A frustração não chega a me incomodar. Uísques baratos, sentimentos baratos, mulheres baratas e somente esses velhos blues me são tão caros. O que mais eu poderia esperar de noite tão bonita? Finalmente, concordo em sair dali com ela, pra que ela possa me extorquir os últimos pedaços de amor próprio da minha alma. Sem me despedir dos meus companheiros, um leve aceno de cabeça praquele velho amigo, deixo o velho Howlin’ Wolf ditar a trilha sonora da minha saída daquele lugar bonito.
               Estranhamente, ninguém se importa que eu leve embora o copo com uísque, que parece ser o item mais caro daquelas prateleiras todas. O copo, não o uísque. Pergunto a bela moça se iremos pra casa dela ou à minha. Obviamente, ela me leva pra sua casa. Certamente, lá não seremos incomodados. E no fim das contas dessa bonita noite, isso é tudo que me importa. A satisfação da derrota.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Passos... Passos...

"Ouça a voz do fundo
A voz do poço
A voz do velho
A voz do moço.

O som da rua
Que escorre e amarga
Da alma nua
Da luz que apaga.

Entenda o fato
Não tome do copo
Não coma o rato
Não vista seu corpo.

Encare a chuva
Se molhe um pouco
A visão que se turva
Os passos de um louco.

Pela rua enlameada
Passos que pulsam
Parvos que pulam
Poças que pensam
Pés que passam
Porcos que pisam
Piras que provam
Que o fogo eterno
Desde que se mantenha
Aceso."

sábado, 8 de janeiro de 2011

Saídas e bandeiras

Não tive saída. A insônia pela culpa que eu não sei de quê me pegou de jeito. Pelo simples fato de sentir que tenho que falar sobre alguma coisa. Mas, é tanta coisa. Na minha cabeça. Mas eu tenho que protegê-la. A cabeça, não a insônia.
Não tive saída. Mas tive escolha. Sempre se tem escolha, eu penso. Estava eu na cama, confortável, pronto para encarar Morfeu de frente, e me vem essa vontade incontida de fazer, de falar sobre alguma coisa. Eu poderia - não ignorar - tomar um copo de leite quente, esperar assentar, relaxar, deitar a cabeça de lado - de novo - e tentar dormir. Mas eu nunca conseguiria fazer isso. Não tomo leite.
Acabei não tendo escolha. Mas tinha uma saída. Na verdade, e pra ajudar na minha insônia, várias saídas. Eu poderia falar da crise mundial, da minha saudade, do dia lindo que fez aqui hoje, da cor dos seus olhos, da alienação que... Por que parei? Não de pensar e, sim, para pensar. Mais. Já percebeu como incomodam essas noites de insônia, mesmo que seja pra fazer algo útil? Como ficamos aborrecidos... Afinal, no fim do dia merecemos um bom descanso! Não é? Ou talvez porque, de alguns, a utilidade seja apenas dormir. Temo em pensar isso de mim próprio. Por isso, agora, prefiro a insônia.
É, não tenho escolha. Mas tenho insônia. E isso me incomoda. Incomoda porque não sei por onde começar. Mas também, começar o quê? Me intriga o porquê de eu me importar tanto. Certamente, sou a única pessoa no mundo que está com insônia agora, tentando falar sobre alguma coisa que não sabe o que é. Que loucura. Esses pensamentos sempre me absorvem de tal maneira... Sempre me pego divagando sobre se alguém mais está tendo o mesmo pensamento que eu, nesse momento ou naquele. Ocorre principalmente nessas horas inusitadas. E, ao final de contas, é muito egoísmo da minha parte pensar ser o único nessa solidão da insônia impertinente, confabulando sobre qualquer coisa, comigo mesmo. O resto do mundo também tem direito a solidão, a melancolia! Porque saudade, tristeza e melancolia - nessa ordem - são coisas que ninguém nos tira. Podem tirar seu dinheiro, suas roupas, até sua felicidade! Mas essas coisas não se tira. Ficam, no máximo, engavetadas. São necessárias! Pra sobrevivência. Sério! Eu li isso numa revista. De ciência. Deixa pra lá.
Agora não tenho mais a insônia. O que me incomoda, porque eu sei que tinha uma ou duas coisas a dizer. Mas o sono tá me pegando. Engraçado, porque ainda sinto que falta alguma coisa. Não sei onde, não sei o quê. Era somente uma ou duas coisas. Mas quer saber? Deixa pra lá. Já não vale mais a pena.
E não sei porquê. Penso agora em um copo de leite quente.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Indefinições

Os olhos descalços nesse deserto
Os ouvidos mudos encostados na parede
A boca insone em agonia
As mãos mudas, subindo... subindo...
E você não pára...

Não pára...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Bar do Zé

-Zé! Mais uma pra nós!
O pedido se sobressai no meio do barulho, entre vozes e sons de garrafas, copos e tais. Estranhamente ela age como líder, e todos, inclusive homens, se divertem muito com isso. Ela gesticula, fala alto, se impõe. Demonstra serenidade e tem os olhos muito vivos. É como inclusive, se mantivesse a ordem no caos. Pensariam duas vezes antes de beber, se ela por acaso resolvesse dizer a eles o quanto seria melhor para suas vidas. É claro, isso não quer dizer que deixariam de beber. Mas pelo menos pensariam antes. E, sinceramente, talvez ela nunca fizesse isso.
Mas ela certamente tentaria se pensasse sobre o assunto. Testar as pessoas se tornou um hábito, e até um vício em sua vida. Diverte-se em ver como agirão os outros em relação ao que ela fizer, sempre esperando, claro, não que eles necessariamente ajam em benefício dela. Só que ajam. Sempre achou que as pessoas deveriam viver em benefício próprio, rindo de qualquer situação, agindo com vida própria. Não que isso signifique deixar o resto do mundo de lado. Sempre teve muitos amigos, bons amigos. Sabe que com o seu senso apurado de comunicação, seus cabelos vermelhos e seu rosto angelical pode conseguir o que quiser.

-Pois eu tenho muita pena de vocês!
Todos, mais uma vez, calam-se para que ela fale.
 -É isso mesmo, seu bando inútil e ignóbil de montes de carne envoltos em embalagem de poliéster! Todos bem aqui, sentados e bebendo sua própria vida em copos sujos de vidro não temperado! E o pior, ainda que os copos fossem de plástico barato não faria diferença para vocês, afinal o que importa mesmo é acabar com sua existência vã, gastando-a em alguns inválidos minutos nesta mesa de bar, ou de qualquer outra! Mas se acham que a vida termina aqui, estão muito enganados. Ela na verdade começará muito pior amanhã, e depois, e depois... E se ainda assim quiserem que ela continue boa como está, não se preocupem! O Zé ainda não fechou.
Toda a mesa irrompe numa gargalhada que ela reforça batendo palmas com força. Eles sabem que quando seu inflamado discurso difamatório começa, sua noite está terminando.
-Portanto, não o deixe em paz até ele chamar a polícia para tirá-los daqui. Tchau, pessoal!
Ela se levanta e vai. Ainda rindo de toda a situação, permanecem um tempo incrédulos de que ela tenha realmente ido embora. Sabem perfeitamente que isso geralmente significa mais duas cervejas no máximo. Sempre ficam um pouco melancólicos quando ela se vai, como se fosse a dona da bola. E ela é.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Nada demais.

Chove forte agora. Ele não sai de casa mesmo assim.
Na verdade era o que ele queria estar fazendo... Andando por aí, na chuva. Esfriando a cabeça. Mas ele se sente egoísta. E senta-se, não faz nada.
Um dia ele quis fazer alguma coisa, só por fazer. Só por não ter o que fazer. E durante uma tempestade, saiu para andar. E andou, andou até não poder mais. Chegou em casa encharcado. A felicidade brotando do rosto, junto com os pingos d’água, escorrendo-lhe pelos cabelos. Mas ainda era criança. Sabia o que estava fazendo, por isso se sentia feliz.
Engraçado como tal idéia lhe parece inusitada agora. Não tinha parado para pensar, pelo menos não se lembrava. Se quando criança ele sabia o que fazer, por que agora, já adulto, idéias feitas, ele na maioria das vezes não sabe o que fazer?
Chove mais forte agora, e parece que não vai parar logo. Ótimo, ele pensa. Ele sabe que precisa fazer alguma coisa, que precisa agir. Mas não sabe como, não sabe onde. Não quer entender o por quê. Ele se sente cada vez mais sozinho, e ainda está indeciso sobre o que fazer. Eu deveria estar feliz, ele pensa. Deveria me sentir bem... mas não sei o que se passa. Também, é uma coisa que não depende de mim. Ele não sabe mesmo o que fazer, e não se sente nada confortável com isso.
Um livro talvez o ajude. Talvez faça o tempo passar mais rápido, ou melhor. Não, ele não consegue. Não consegue ler nem uma página inteira. Alguma coisa o impede. A chuva diminui. Ele se sente frustrado, por ter se enganado. Achou que ela continuaria pela tarde toda.
“Há sol e chuva na sua estrada... mas não importa, não faz mal, você ainda pensa e é melhor do que nada... tudo que você consegue ser, ou nada”... O verso cantado pela voz rascante parece cair como uma luva. E perfura seus tímpanos, faz doer. O que vai ser, se nada for? O que seria se algo se fizesse? Há verdade em seus olhos, mas em sua mente só mentiras brotam. É o que parece. E seus olhos se tornaram insólitos. A verdade é essa.
Ele ouve alguém chamar! Não, parece ser sua imaginação. Mas pensa que, se talvez desse maior importância a sua imaginação, algo poderia realmente acontecer. Alguma coisa poderia mudar. Ele poderia ser...
Agora o tempo mudou, e a música também. Curiosamente, cai bem. “Você pega o trem azul, o sol na cabeça...” Ele olha pela janela, e vê o sol bater, impunemente, no muro em frente. E se sente mesmo num trem azul, algo que ele não sabe explicar nem pra si mesmo, mas que o leva longe, devagar e barulhento, mas leve como o vento. As flores do seu jardim parecem felizes. Ele não sabe o que sentir.
Vamos lá coração, ele pensa, você pode esquecer isso! Você pode passar por essa sem feridas! Agora ele já sabe o que fazer! E a decisão o faz ficar eufórico! Ele sabe que...
Mas o sono o pega. Ele se deita, e começa a sonhar.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Tudo novo!

E o sonho acabou. É, aquele sonho de olhar pra trás, analisar todos os pontos negativos do ano que passou, só para esperar algo melhor do que está começando.
E então? O que ficou do ano velho, não tão velho, mas fresco ainda em nossa memória? Atrevo-me a parafrasear pessoa mui amada, “sobrou a louça suja na pia” que, não, ninguém vai se oferecer para lavar e amenizar o seu primeiro fardo do ano. E assim foi durante o caminhar de todo o ano passado. O mais impressionante, parando pra pensar, é que as louças sujas, as sobras na mesa, a bagunça pela casa, é tudo como um tesouro desenterrado há algumas horas e aberto somente no ano que se chegou. E para por aí! O tesouro conquistado no primeiro dia do ano são as sobras do ano passado.
Pra quê tanta algazarra, luzes, fogos, gritaria? Sincero, o único motivo pelo qual vejo que valeria a pena tanta zorra seria o céu amanhecer roxo, as flores sapateassem e os pássaros resolvessem cantar And Your Bird Can Sing, ou algo parecido. No entanto - corrija-me se estiver errado -, o céu nasceu o mesmo - cinza, aliás -, as flores ainda estão quietas no meu jardim e os pássaros, coitados, ainda só podem voar. E nós que, por um momento, tiramos o pé do chão, amanhã o colocaremos novamente no devido lugar. Coitados.
Nem o céu mudou, esse traidor! Tantos barrancos derrubados, tantas crianças chorando, tantos andarilhos debaixo dos viadutos, acocorados e escorados uns nos outros pra se esquentar, tudo porque chove a cântaros nessa época do ano. Não é um ano novo? Então, por que ainda chove como no ano passado?  Por que as mesmas intempéries? Por que muita gente ainda com fome, frio, molhada e sem esperança? E no fundo, que diferença faz mesmo? Se fazia alguma, já me esqueci. Meu chocolate quente tá fervendo no fogo, e pode sujar meu fogão automático, e ficarei muito chateado enquanto o tomo debaixo das cobertas.

Mas então, o sonho acabou. Aquele, lembra? De olhar pra trás, analisar, blá blá blá... Afinal, e disso todos nos certificaremos, tudo vai continuar o mesmo.