segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Cândido (Mundo Amarelo 2)


      É só olhar pra baixo, agora eu sei. Percebo tudo mais bonito daqui. Mais bonito, sim, porque percebo tudo do meu jeito. É um jeito que ninguém consegue ver, ou não quer enxergar, não sei. Ainda assim continuo sempre na mesma dúvida, se deixei tudo desse jeito lá em baixo, ou se sempre fora assim mesmo, e ainda assim ninguém se prestou a ve-lo como é. Quanta tolice. Talvez, também, por isso eu o veja assim. Talvez por isso eu esteja aqui em cima.
      Sei que pode parecer bem estranho pra você me ver daí de baixo. Pode parecer estranho esse meu jeito de olhar com certo desdém, ou meu modo de dizer o que penso sem palavras, ou que eu tenha de voar pra olhar pra você. Mas não é, não. Preciso subir. Preciso preparar minha grande cesta com provisões, inflar essa grande lona e me dispôr ao sabor do vento. É que não consigo olhar em seus olhos sem lhe achar estranho, ou me aborrecer com seu jeito. Te parece estranho isso, eu sei, mas se ponha no meu lugar. Não consegue, não é mesmo? Então, entende agora porquê não consigo te olhar nos olhos? E vem você achar estranho o que eu faço, ou até mesmo não achar nada. Mas estranho mesmo é não perceber que eu to aqui em cima, ou não ouvir o que eu tenho a desenhar ou que só voando pra te olhar é que eu posso ter algo a dizer. Sabe? Não sabe? Tá vendo? Por isso tenho que estar aqui.
      Olha pra você... parece uma formiguinha daqui de cima. Não. Acho que até uma formiga ainda é mais compreensível. Pelo menos parecem ter algum propósito. Diferente da maioria aí embaixo. Das pessoas, não das formigas. Mesmo assim me parece uma vida tão microscópica, na pequenez do sentido da palavra. Um vida mínima, minúscula de propósitos, caráter, de fazeres e aconteceres, até mesmo de sonhos, desejos. E que desejos, se não simples vaidades? A cada minuto mais vou firmando aqui em cima meu próprio chão. Aqui mesmo, nas nuvens, no etéreo da atmosfera fria e sem consistência. Aqui mesmo, onde vou me tornando etérea com as nuvens, onde a atmosfera vai ficando mais quente e consistente que aí, embaixo. Com mais substância, certamente. Tanta substância que vai me aumentando a distância.Gostei disso. Usarei essa frase mais tarde, de alguma forma.
      Fico pensando - pena que você parece não poder fazer o mesmo... Pena. - em como até o céu em que me encontro agora - meu céu! -, até ele, me parecia amarelo, também. Um mundo assim... Assim assado, sabe? Meio hepatite, meio meia boca, meio nada a ver. Me perguntava por quê dele, qual o sentido de uma coisa tão intocável e imutável. Afinal, tudo muda, certo? Ou deveria mudar, evoluir e crescer, sei lá. Alguém já disse isso, e foi alguém que todos consideram gênio, então não venha me dizer que tô falando bobagem. Qual é mesmo o nome dele...? Tem tanto tempo que ouvi isso - talvez porque ninguém aposte ou se esforce tanto mais pra mudar, crescer e evoluir, não necessariamente nessa mesma ordem - que não me lembro. Ah, deixa pra lá. Então, como eu ia dizendo, o céu me parecia o mesmo de tudo que há aí embaixo, quase sem graça nenhuma. Até que resolvi subir pra ver o que se passava. E não passava nada! Eu só precisava mesmo subir pra saber que aqui era meu lugar! Era aqui que eu deveria estar pra que a inspiração aparecesse, pra que tudo parecesse a mesma coisa aí embaixo. E não é que parece? Eu estive dos dois lados, não pretendo sair de onde estou, e sei que sim, continua tudo a mesma coisa.
      Olha, é como disse no início. É só olhar daqui de cima aí pra baixo. Tudo parecerá nada e nada parecerá tudo. Tudo fará sentido e fará tudo perder o sentido. Aqui em cima tudo poderá ser teu também. Inclusive a vontade louca e a convicção de não voltar. Se olhar daqui de cima - ainda tem lugar no meu balão fantástico, talvez sempre tenha - o mundo deixará de ser amarelo. Mas não é simplesmente subir. É só você querer. Seja menos você, e torne-se mais cândido.
      Me lembrei! Antoine Lavoisier!

                                              


                                                                     Thiago Cruz, 26 de Setembro, 2011.
                                                      E o maravilhoso Mundo Amarelo de Marina Aniram
                                                        (marinaaniramarte@blogspot.com) vai me inspirando.


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sonhos de Mentira

Quando os olhos só tecem mentiras
Sem vergonha e sem tremer

E a verdade é um poço sem fundo
Que só serve de distração

Se pensar, não há nada de novo
Não há nada o que temer

Acredite nas velhas estórias
Saia dessa arapuca, irmão.


São os mesmos seus velhos fantasmas
E são outras as suas leis
De seus livros em capas imundas
Com palavras de maldição


E a poeira te cega os olhos
E te calas por tudo que vês

Pela boca se morre é calado
Abre logo essa cuca, irmão.

Thiago Cruz e A Ruga. Música.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Acrílico Sobre Sonhos (Mundo Amarelo)

Acordei e olhei pela janela, lá fora, onde está o resto do mundo. Sim, o resto. Porque o mundo todo está aqui, no meu mundo, aqui dentro. Meu mundo estranho e lindo está todo comigo, e quer sair. Quer sair e ser um mundo todo, pra todo mundo, que já não cabe mais em mim. E foi assim que acordei, mesmo que ainda esteja dormindo.
            Com os olhos ainda pesados fico pensando se os abro ou não. Será que me assustarei quando abrir a janela e olhar as coisas e ver que as coisas continuam as mesmas? Será mesmo que quero acordar? A luminescência do universo que tenho aqui dentro da minha penumbra me conforta, mesmo que eu não saiba, na verdade, do desconforto que se faz além dele. Não agora. Que acabei de acordar, mesmo que ainda esteja dormindo. Ou será que o resto do mundo acordou cedo demais? Podem dizer o que quiserem, achar o que acharem, mas eu prefiro acordar antes tarde a nunca. Afinal, se me desperta a razão, nasce-me a angústia. E, quer saber? Angustia-me a ideia de sair da cama e enxergar um mundo igual a tudo que sempre foi. Ainda me decidindo se abro ou não os olhos.



            Se bem que pensando bem, talvez eles já estivessem abertos antes de eu fecha-los. Talvez eu não quisesse ver isso porque era isso que o resto do mundo não queria que eu visse. E dessa forma, assim com esse impedimento mundano, eu não me via. Porque isso sou eu, muito mais eu do que eu penso, eu acho. E o resto é muito mais “acho” do que eu penso ter certeza.  E disso, eu duvido que você saiba. Duvido que compreenda essas cores, as nuances, os degradês, os ton sur ton. Mas, pensa só como parece engraçado. Você não faz a menor ideia do que eu estou falando. Mas eu, só de olhar, posso lhe decifrar em alguns relances, e posso conseguir isso sem esboço algum. Eu queria mesmo é te envolver, te enrodilhar em meu mundo pastel, te decifrar cada espaço com meu passo-a-passo, te provar por a mais b cada sabor dessas misturas que te rodeiam, que talvez você nem as saiba.  Tudo em alguns passes de mágica.
             Muito mais do que abrir os olhos, eu queria abrir, agora, meus potes de tinta mágica – eu tenho uma caixa cheia delas, não sabia? – e pincelar tudo que encontrasse pela frente, e talvez também tudo que ficou pra trás. Meu pincel seria minha vara de condão, e meu estro minhas palavras mágicas, meus abracadabras! O resto do mundo minha tela, e o universo, esse gigante gentil, meu ateliê. Minha exposição? Não precisa procurar muito. Não está nos cadernos de cultura dos jornais, nem nas galerias das grandes empresas, nem na beneficência dos empresários ou nas leis de incentivo que se fazem por aí. É só abrir você também a janela. Então verá o meu Mundo Amarelo.


                              Baseado em e dedicado ao Mundo Amarelo de Marina Aniram.
                                                                   Thiago Cruz, 05 de Setembro, 2011.
                                                                     Desenho e foto por Marina Aniram.