terça-feira, 24 de setembro de 2013

O Castigo do Rei

Não quero briga
Nem sorte de figa
Me abriga por paixão
Sem obrigação/
Sem nada ter
Por não querer
Saber, não sei/
Não ter que saber
É o castigo do rei.

E o bobo da corte
Que de bobo nada tem
Pensa tanto mais além/
Do que passa-te ao redor
Peão ou rei, puta ou flor
Criança ou crença, ou vida ou morte

No procepeço do tão falar
Vai-se maço, esvai-se em mãos
No ver do avesso verso sem par
Bater no teto os pés no chão/
Pois sem nada ter
Por não querer
Saber, não sei/
Não ter que morrer
É o castigo do rei.

Ai, meu canto modesto
Que de moderno nada tem
Sai de tudo e vira resto
Vira rapa do que se tem/
Cantar de paz e guerrear
Canto de sorte e de azar
Canto daqui e canto de lá
Ê, laia-larai-á

A questão é mais que ser
É existir no que se dá
Mais por querer
Saber, mais sei/
Que não ter que sofrer

É o castigo do rei.

domingo, 4 de agosto de 2013

Outro Dia de Noite

Um dia de cada vez, um dia de cada vez. Eu queria que fosse assim, sem a ânsia de querer viver todos os dias em um, todos os dias de uma vez, todos os dias de cada vez. Brincar com os limites da noite, rir na cara do dia. Cantar sem medo de perder a voz, escutar sem medo de ficar surdo, me cortar sem medo de sangrar. Tem sido assim. Mais uma noite ganha, mais uma dose, mais um trago, mais alguns sorrisos perdidos.


terça-feira, 4 de junho de 2013

O Sapo Cantor

Era uma vez um brejo qualquer, desses que se vê por aí, sem nada demais, sem nada de menos. Era um brejo molhado, sujo e lamacento, como qualquer outro. Nesse brejo tinha muitos bichos. Tinha peixe, tinha mosquito, tinha lesma e até cobra. Um tanto de planta e um tanto de água. Nada demais. Nada de menos.
Pois nesse brejo sem nada demais também tinha um sapo, como qualquer brejo tem. Mas tinha uma diferença. Era um sapo que queria coisas diferentes, coisas grandes e intocáveis. E a maior delas era ser cantor. Como o Sapo queria muitas coisas, vamos falar somente da maior delas. Sim! O Sapo queria ser cantor. O problema é que, desde pequenininho, quando era apenas um girino, todos riam da vontade do Sapo. Como, algum dia, poderia ser o Sapo um cantor? Quem acharia a voz de um sapo tão bonita a ponto de comprar um disco seu? Era o que todos perguntavam. E o Sapo se entristecia, e o Sapo ficava com raiva de ter nascido sapo. Mas o que o Sapo não fazia era deixar de cantar. Sempre que chegava a noite no brejo, quando a maioria dos bichos estava acordada e barulhenta – porque é assim no brejo – o Sapo começava a cantar. No meio de tantos outros sons de sapos, de grilos e outros tantos bichos, o Sapo cantava e não se envergonhava. Porque no meio de todo aquele barulho, quem poderia saber que ele estava treinando a sua voz? Era só mais um barulho no meio de tantos outros.


Mas não era bem assim. Porque a voz do Sapo era muito bonita. Não era só um barulho qualquer num brejo qualquer. E para o Sapo ele era o maior cantor do brejo, mesmo que fosse um brejo qualquer. E seria ainda o maior cantor de todos os brejos de todo o mundo. Qualquer brejo seria um brejo qualquer se tivesse o Sapo cantor dentro dele, porque ele era bom demais. Mas isso ainda era sonho distante, porque ninguém acreditava que o Sapo poderia ser um cantor. E assim, todos riam dele, mas o Sapo não parava de cantar. E foi assim, cantando e sendo criticado, que um dia não mais se ouviu o cantar do Sapo. Não perceberam isso durante a noite, porque tinha muitos outros barulhos. Mas de dia, quando todos acordavam já esperando a voz rouca do Sapo romper o silêncio da manhã, houve uma grande surpresa. O Sapo não cantou. No começo todos sentiram grande alívio, pois finalmente o Sapo tinha deixado de lado o sonho doido de ser cantor. E os dias foram passando, e o brejo era, como sempre, um brejo qualquer. À noite ninguém se importava se o Sapo tinha parado de cantar ou não, pois já havia muito barulho por ali. Até que uma vez, numa noite qualquer, alguns outros sapos conversavam e falavam sobre “aquele doido que queria ser cantor”. Em certo momento, um deles disse aos outros para ficarem calados, para poderem ouvir a voz horrível do sapo e rirem dele. Quando se calaram tiveram outra grande surpresa. Não ouviram a voz do Sapo. E não entenderam nada. Pediram aos outros bichos pra ficarem calados também, e o brejo ficou em silêncio. E ninguém ouviu o Sapo cantor. Todos então passaram a noite encucados, pois não sabiam o que tinha acontecido.
Pois logo pela manhã todos queriam saber o que se passava e foram procurar o Sapo. O encontraram então num canto qualquer arrumando as malas. Perguntaram se ele ia viajar, e pra onde.
- Vou-me é embora daqui – disse o Sapo. Todos se assustaram com a resposta e quiseram saber porquê ele ia embora.
-Desde girino – disse o Sapo – eu queria ser cantor e todos vocês riram de mim. Eu só quis ser e fazer diferente de tudo o que sempre se faz e é por aqui. Mas vocês sempre disseram que eu era doido, e que um sapo nunca poderia ser cantor. Durante todo esse tempo eu só quis fazer os seus dias mais alegres, um pouco diferente do que sempre é todos os dias neste brejo úmido e sujo. Nesse tempo todo eu queria ser notado, mas também sempre notei vocês e achei que vocês precisavam de um pouco de música pra alegrar os dias, mas vocês sempre quiseram uma bela voz, somente. Talvez algum bicho mais bonito ou afinado, e não um sapo qualquer. Por isso digo a vocês, amigos: vocês são a pior platéia que um sapo poderia ter. E por isso repito: vou-me é embora daqui.
Os bichos, então, sentiram uma tristeza muito grande por tudo que sempre fizeram com o Sapo, e alguns até choraram, vejam só! Os que puderam falar pediram ao Sapo que ficasse, e pediram perdão por tudo que tinham feito até então. O Sapo ouviu tudo até o fim, aceitou os pedidos de desculpas e com um sorriso no rosto, abriu o bocão e cantou uma bela canção de “Adeus!” em dó maior pra que todos, enfim, ouvissem, em silêncio, o que ele sabia fazer.
Hoje o Sapo é um grande cantor e deixa alegria e surpresa por onde passa com sua bela voz. E mesmo onde não gostam dele, sempre com um belo sorriso no rosto, ele abre o bocão e canta o seu “Adeus!”, para depois sair pulando e ir cantar em outro lugar.

E hoje os bichos do brejo perceberam que o seu lugar ficou mais triste e lamacento depois que o Sapo se foi. Perceberam que continua sendo um brejo qualquer, com uma grande diferença. Ninguém canta mais. Mas ainda se alegram de certa forma, e tem esperança, pois perceberam que mesmo o seu brejo pode ser mais bonito, mais alegre, quando entenderam que até um sapo pode ser cantor.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Conto - Uma Parábola


Contos. Eu não escrevo contos. Pensava que escrevia porque pra mim cada história contada é um conto, tudo que se conta do saber e do não saber, do sentir e do não sentir, tudo que se conta, pra mim é um conto. Pensava que escrevia, até que percebi que, na verdade, escrevia o que pensava. E talvez seja isso que define o “não-conto”. Com o que pensamos em exposição você faz as pessoas tentarem entender o que se passa ali naquelas linhas, abaixo dos fios dos cabelos da cabeça de quem escreveu o que pensou. Quer dizer, você as faz pensar. E isso, além de cansativo, é desnecessário pra maioria já que ela tem tantos e tantos “acessários” – sig.: subst. masculino de condescendência moderna:  acessórios necessários – criados justamente para já pensarem, ponderarem, sentirem, dizerem e até ouvirem, se necessário, por elas. As pessoas querem saber do que não é, entende? Da vida alheia perfeita ou imperfeita, e não de refletir sobre o próprio umbigo. Muito menos sobre o umbigo intelectual de outro. Percebi dessa forma que você tem quase que se tornar outro pra contar alguma coisa que possa ser chamado de conto. Tem que fantasiar tal coisa até o ponto exato da fantasia tornar-se o que deseja quem lê ou escuta. Quando esse desejo inconsciente torna-se realidade, o conto aproxima-se tanto do leitor que ele não necessita mais “intelectualizar” sobre o que lê, porque o que ele está lendo é, na sua doce ilusão, ele mesmo. Com isso percebi que contar algo a tal ponto requer mais do que habilidade com palavras. Requer magia. Mas também sei que magia não existe. É tudo um truque de luz e sombra e "grafo-hipnose" – sig.: subst. feminino: hipnose pela escrita – usado como peça chave na construção da não inventividade alheia. E isso eu não sei fazer. Magia não existe. Eu sei escrever, por vezes, sobre o irreal, mas não sobre o inexistente.  
 Contos? Eu não escrevo contos. Acabei de saber.