quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Junho

Primeiro da série "Eu, Lobo"

Caem por aqui todas as folhas. Secas, semi secas, quebradiças... Mas, curiosamente, nenhuma folha fresca caiu. Nenhuma daquelas que olhamos e sabemos que caíram por força da natureza, que cairiam com o tempo, e seriam esquecidas por esse tempo afora, jogadas ao vento, na indiferença de existir, subsistindo. Nenhuma folha fresca caiu. Foram, pois, arrancadas.
            Me envolve bastante esse fim de Junho, frio e seco, ventoso, vão e arrogante. A brisa de Abril que me acariciava, de repente, torna-se ventania que me talha a carne. Que me dói e me faz tremer. As flores que antes me permitiam canta-las deram lugar a simples talos secos e sem graça. As árvores sujeitam-se ao sabor, que não é mais tão agradável, dessas rajadas de vento que impunemente as golpeiam. As ferem. E me ferem também.
            Canto a noite junto a Lua de Junho, uivo a ela, praticamente. E meu uivo é meu lamento. Neste caso, posso dizer que choro. Uma pena ela não ouvir. Gostaria que sentisse a dor que sinto, pois como é dolorido chorar sozinho. Um lobo solitário, quase um cão sem dono ladrando por aí, uivando meu lamento aos quatro ventos, tão cáusticos apunhalando minha voz, que respondo doído, que ele pode me levar, que o brilho dessa Lua poderia me lavar, que de nada adianta.
            Louvo a noite dessa forma, e ela não corresponde aos meus louvores, meus uivos, meu lamento. Mas é esse cheiro da noite que me faz bem. Esse odor que vem no véu desse vento inane. Não necessito resposta direta, resposta falada. Sempre fui homem de palavras, de falar e de falar muito. Mas o meu aguardo, quase sempre longo demais para quase tudo, me ajudou a tornar-me minudente ao expor meus desejos, mas reticente em relação ao lugar onde me levaria essa exposição. Portanto, hoje, acho que não necessito resposta, porque sei que me escuta quando sonho, assim como te sinto, me cortando, me talhando a pele, me fazendo sangrar, ao sentir esse vento indolente. E me torno, também, quase indolente junto dele, que de certa forma me fortalece.
            Eu, lobo. Solitário na minha varanda, que dá pra Lua, que dá vista pra rua, que te expõe nua na minha mente, na minha alma talhada, dilapidada pela indiferença, marcada a ferro, derretida a fogo, maculada por tanto... Tanto. E meu lamento se faz mais forte a cada minuto que passo longe de você, que inevitavelmente, incorrigivelmente torno-me esse solitário das pradarias - e mudo de lobo pra coiote sem nem perceber, percebe? Choro e tento me juntar a outros tantos coiotes de estepes doloridas, ao menos em meu devanear solitário de dolor crônico. Não encontro tantos quando deveria. Logo se voltam para seus próprios caminhos, como devem mesmo fazer. Como eu deveria mesmo fazer. Virar as costas, tornar a fronte e, como refrão doído dos idos de ’40, continuar lamentando. Uivando à Lua.
            Continuo aqui, na planície da minha solidão, e só posso esperar o próximo Abril chegar, mesmo que ainda seja Junho. Esse frio Junho de minh’alma.



                                                          Thiago Cruz, 29.06.2011

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