segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sonho de Velha Canção

          Acordei com um gosto de não sei o quê na boca. Não sei. Parecia algo que não vivi ainda. Aquele gosto de vontade, de querer o infinito. Gosto de noite longa, gosto de acordar gostoso. Um gosto de saudade, que te gosto muito. Gosto de saudade.
          Me salta aos olhos um dia inteiro, de tudo que quero sentir. De tudo que penso de tudo. E tudo que se faz pensamento é só por mais um dia. Amanhã serão outros, será outro dia. Da minha boca uma canção de velhos tempos, de estrofes envelhecidas, amareladas, com aquele cheiro de música velha, que se escreve em letras de rodapé. Vou cantarolando e, sem perceber, arrisco passinhos de dança sobre meus pés, pequenos em relação a esse mundo, grande demais para os meus pés, pequeno demais para a minha vontade. Vontade de sair dançando, mesmo sem par.
          Na minha cabeça, enquanto danço por aí, me imagino personagem d’algum livro bom, daqueles que se tem na cabeceira, ou esquecido em alguma caixa velha. Daqueles com cheiro bom de livro. Enquanto componho meu romance, sinto-me dançando sobre as linhas que escrevo no ar. Cada sílaba é um passinho. Cada palavra um giro no ar. A cada estrofe termino com meu ponto final, um passo firme, e espero um segundo ou dois para recomeçar.
          Olha aí os personagens que compõem minha história. A menininha que passa de mãos dadas com a mãe, me olhando, é aquela prima que vem visitar nos fins de semana, e me puxa pelo braço pra irmos brincar no balanço. A moça parada no ponto de ônibus, enfastiada pela bagunça que a cerca é a tia gorda que me repreende pelo meu jeito libertário, avesso às tradições da família. O cãozinho vira-latas que trança pelas pernas da multidão é meu fiel companheiro, naqueles momentos em que me tranco em meu mundo, meu quarto, de mal com o mundo todo. Um a um os personagens passantes vão fazendo tudo na minha cabeça. Só não consigo encontra-la. Aquela que seria meu amor platônico, meu romance impossível, a bela dos meus olhos. Ela não existe. É um romance impossível.
          Deixo de lado meu modesto roteiro, por hora. A lembrança dessa moça que eu nem sei quem seria me absorve, e me pego cantarolando minha saudade. E a saudade me encanta. Fecho os olhos por um instante e me enxergo pé ante pé sobre a faixa de pedestres, como nas teclas de um piano, e nele toco e cantarolo Smile, como um Chaplin de cabelos encaracolados e calça jeans surrada. Ah, como eu queria caminhar sobre teclas de piano. Ah, como eu queria tocar música na faixa de pedestre.
          Apenas acordei nesta manhã, como em todas as outras, e tudo se fez. E tudo ainda se faz. Na boca um gosto de saudade. Nos pés um passo de dança. Na cabeça os caracóis num romance antigo. E a vontade de uma velha canção no ouvido. Na boca, um gosto de não sei o quê lá.



                                                                         Thiago Cruz, 05 de Julho, 2011.

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