terça-feira, 3 de maio de 2011

Epifania    S.f.: apreensão, geralmente inesperada, do significado de algo.

“Não basta sentir a chegada dos dias lindos. É necessário proclamar: ‘Os dias ficaram lindos’”.
Carlos Drummond de Andrade, Os Dias Lindos




Tudo bem, eu confesso. Sim, eu sinto a sua falta. E como me falta. Nem faz ideia, como eu não fazia até... sentir a sua falta. Tenho pensando comigo todo o dia - que só senti essa falta hoje - no porquê dessa distância e, portanto, no porquê dessa falta. Essa falta que me faz. Que me faz muita falta. Eu a sinto, bem aqui.
Mantenho em mim, e parece que gosto, o sentimento de solidão que me fazes, a melancolia que me apraz, que me faz sentir essa falta. Que é dessa falta que preciso. Nem sei se preciso tanto de você quanto desse sentimento que brota em mim por sua causa. Ou pela sua falta. Abro a janela e lá está... A lembrança de você. A falta de você. Você não está no céu azul. Não está nas flores que cruzam meu caminho. Nem no sorriso das crianças que vejo passar. Você não está em lugar algum. Não está na minha cabeça, nem dentro de mim. Senão não sentiria tanta falta. E sinto. Sinto muita falta.
Corro a abrir a porta, todo o dia, o dia todo, só pra ver se está por ali, a me esperar na soleira da porta - que nem soleira tem -, mas não está. Nos meus sonhos te procuro, e procuro sonhar contigo. Mas você não vem. Tento te puxar à mente, para que me sirva de inspiração, mas não te encontro. E por isso essa falta que me assola, me arruína, minha ruína. Mas que é minha força, ao mesmo tempo - “estranho isso”, sei que diria -, pois sei que de alguma forma você está. Não sei onde, que não te encontro. Mas sei que está. Não no canto dos passarinhos, nem na brisa de Abril, nem nos seios das águas, senão eu não sentiria essa falta. Mas sei que está, em algum lugar que não sei, que talvez nem me caiba.



Aperto os olhos e contraio as mãos. Quem sabe posso assim te sentir, te vislumbrar, no escuro da minha egoísta epifania, por trás dessas pálpebras, tão cansadas de longa espera e tão pesado fardo por tanta falta? Tanta falta. Você nem faz ideia. Como eu não fazia. E nada. Você parece não se importar. Onde está que não responde? Talvez não sinta tanta falta quanto eu, que nem sei onde está. Será que você sabe onde estou? Gostaria que me dissesse. Gostaria que não fosse tanta falta. Gostaria que fosse... Não sei o quê. Que essa falta que me faz, que sinto aqui, já é em mim. Já sou eu. E você já é toda essa falta.
Penso aqui que é engraçado. Quase trágico, tudo bem, reconheço. Mas sinto tanta falta que essa falta me sobra. Compreende? Acho que não. Se compreendesse é porque estaria aqui para compreender, ou complicar. Mas ainda sinto aquela falta. Essa falta. Falta que me sobra. Presença que me falta.
Você não está na minha canção favorita. Não está no movimento das nuvens, nem na chuva que cai - que não cai faz tempo -. Nem nos raios de sol, nem no brilho da lua ou os ponteios das estrelas. Se estivesse eu não sentiria tanta falta, que todo o dia, o dia todo, ouço minha canção favorita, que você não sabe qual é. Que todo o dia sinto os raios do sol. Que ao final do dia todo verei o brilho da lua, e ainda me fará falta. Muita falta. Porque não estará lá. Eu sei. E espero. Não me pergunte o porquê. Eu só espero. E me desespero, por não saber até onde irá essa falta que me faz. Talvez à uma estranheza do mundo, um sentimento de vazio. Não mais de falta, mas de vazio. Que no vazio não me fará mais falta. E poderei dormir, talvez, sem te procurar nos sonhos, sem te esperar à porta, sem abrir a janela. Mas então penso comigo: Será que essa falta de agora me fará falta no vazio? Só posso esperar pra ver. Pois que ainda espero te ver. E essa falta não fará mais sentido.
Não sei se notou, mas eu confesso. Com todas as letras eu confesso que me faz falta. Muita falta. Você não está aqui, não está ali, nem acolá. Você simplesmente não está. Tudo bem, não ligo que me faça falta. Me incomoda que não esteja.  Parece que graceja comigo ao ousar não aparecer em canto algum. Nem mesmo em meus sonhos. Que isso já está se tornando pesadelo. Essa falta de você. Essa falta de não sei o quê. Eu já havia dito antes, em algum momento, que quando matamos um sonho logo nasce outro no lugar, e não podemos fazer nada. E esse é o problema. Sei que ainda não morreu, pois sinto toda essa falta. Não me pode nascer outro sonho no lugar, nem alguma outra falta, pois esta ainda está aqui. Essa falta ainda está muito presente. Se é que me entende. Que nem eu consigo entender muito bem. Apenas sinto. E como sinto.
Cerro os olhos mais uma vez, com toda a força agora. Abro a janela novamente, olho pro céu de novo, escuto ininterruptamente aquela velha e bela canção, mas... nada. Tomo algum sol, cheiro algumas flores e assisto algumas crianças gargalhando. Já noite e saio a observar a lua. Em mais um esforço, ponteio o céu junto às estrelas. Não me vem você. Num último suspiro, corro até a porta, dessa vez mais seguro de tudo - mesmo que não haja nada -. E não há. Falta... falta alguma coisa.
 E sobra agora o vazio.





                                              
                                                                                   Thiago Cruz, 19 de Abril, 2011.

Um comentário:

  1. Ainda procuro - como numa pequena epifania, como a do Caio - as palavras pra te dizer o que a tua epifania causou aos meus sentidos.

    Talvez a falta - essa falta tão bonita que dizias - das palavras por aqui sempre tão abundantes...

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