sábado, 5 de fevereiro de 2011

Versejar

Foi tudo meio de repente. Aconteceu que somos cores, sabores, cheiros e poesia.
               Uma tarde quente, um desejo de tempestade... Café ou cerveja? Sabino e Blake. Um beijo e um abraço.
               Somos música também. E nem chegamos a discordar. As coisas só são diferentes. Quase tudo diferente. Bocas, olhos, mãos... Será que as minhas são boas mesmo pra essa tal de Quiromancia? Será que foi só pra darmos as mãos pela primeira vez? “Você pegou na minha mão, Charlie Brown.” Lembrei desse pequeno episódio, onde o pequeno Charlie toca a mão da Pimentinha. E nem sei porquê isso me atrai tanto.
               Vestido preto, sapatinho bonitinho... Não tanto quanto seus olhos. Essa coisa rara e impressionantemente bonita dos olhos caídos. Olhos que tinham aquela calma distante, um desejo longe de não sei o quê. Olhos que tem aquela cor incrível, que contrasta com a cor dos cabelos, e a maquiagem debaixo deles. Olhos que, acima de tudo, me revelaram, de alguma forma, a alma que me pareceu tão bonita. Janelas da alma. Pontos de fuga, pra mim.
               Olha o livro do Sabino ali em cima da mesa. Folheio alguma coisa. Quase tiro leite das mãos. Sou tímido, não sabia? Ou não se lembrava? Ou não tá nem aí e vai ficar me olhando? Fazê-la rir foi o melhor que pude fazer naquela tarde quente. Primeiro porque aquele sorriso quase me matou. Segundo porque agora não sou eu que estou tímido.
               Eu sempre disse que achava um charme as pessoas desastradas. Mas hoje eu to demais! Precisa quase derrubar a mesa? Por pouco a long neck não cai também. Ah, não falei? Escolhemos Heineken ao invés de café. Será que no fundo o nervosismo era mútuo, a ponto de inconscientemente pedirmos cerveja, pra desinibir um pouquinho? Pode ser, pensando melhor agora. Será que isso quer dizer alguma coisa? Será que você quer me dizer alguma coisa? Será que eu deveria dizer alguma coisa? E, afinal... Será que precisamos dizer alguma coisa? Acho que não. Parece que tudo que eu for dizer, você já vai saber, porque eu vou estar falando de você, e vice-versa. Coisa estranha.
               Bom, vamos tentar... Amarelo! Detesto amarelo! Cor mais sem graça, cor de tédio, cor de hepatite. Não deu certo. Também é a cor que não gosta. Então... Fígado com jiló! Ninguém gosta de fígado com jiló. Ainda mais mulher. Não adiantou, também. Você gosta, e aquele do Mercado Central, ainda. Algumas tentativas e desistimos. É tudo muito parecido, apesar de tão diferentes. Acabo descobrindo o enigma sem querer! Incrível como acontecem essas coisas. Acredita? Ela gosta de Kafka! O Franz, sabe? Aquele, da barata. É, na verdade, acho que sou a única pessoa que não gosta de Kafka. Nem de baratas. E disso você também não gosta.
               Vamos pagar a conta, antes que eu faça alguma besteira, por causa desse seu olhar. Esses olhos caídos, que me atraem tanto. Uma coisa meio Paul McCartney, meio Brigitte Bardot. Fazer alguma besteira... Por quê? Será que você pensa assim? Será que você pensa em mim? Acho que não. Vamos embora, cada um pro seu canto, todo mundo feliz e essa tarde quente pra cacete que não acaba nunca! Mas aí...
               Foi tudo meio de repente. O negócio é que somos cores, sabores, cheiros, poesia... E também somos música.


2 comentários:

  1. Sensacional.

    Esse deslumbramento-quase-paixão me tira os pés desse chão - precisando ser varrido - por uns segundos.

    Muito. Gostei muito. Mesmo.

    ResponderExcluir
  2. Só li 13 vezes...

    Você captou cada segundo, cada olhar, cada entreolhar... Cada cor, sabor, cheiro e poesia...

    Você leu nas entrelinhas...

    ResponderExcluir