quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Poça

Foi a toa. Uma coisa ou duas a toa. Mas que até então eu não havia me dado conta, da forma como deveria, pelo menos. Agora, nem sei o que fazer com o que tenho nas mãos.
Começou devagar, discretamente, como um sussurro. Deveria eu dar atenção a sussurros? Minha mente sussurra a todo o momento. As pessoas só fazem sussurrar pras outras, até pra si mesmas. Mal sabem elas que deveriam gritar, até estourarem os próprios tímpanos. Ou as cordas vocais. Seria mais justo. Coitados dos sussurros. Tão solitários nesse mundo de caos, nesse lugar barulhento que é minha cabeça.
O que me dói é que tenho a péssima mania de superestimar meus sentimentos mais pesados. Ninguém, nunca, me entende, ou sempre sofro de amor mais do que o outro. E me faz fazer essas coisas. E detesto quando tenho que admitir que a culpa de mim seja eu. Mas, mudar... Pra quê mudar? Posso olhar pra todos por cima, dessa forma. Me sinto mais forte, bem maior do que sou de verdade. Isso muda quem eu sou? Não sei dizer. É provável. Na verdade, o mais provável. E isso me dá medo. Terrificante. Porque agindo assim, sinto que consigo dizer mais verdades, consigo ser mais sincero. E dizer, na cara das pessoas, que elas deveriam comprar a própria cerveja e paga-la, ao invés de esperar a conta chegar e dizer que não vai pagar, afinal “a última cerveja foi desnecessária”. Mas é só um exemplo. De qualquer forma, é esse meu medo. Quer dizer, eu só consigo ser mais verdadeiro quando não assumo a mim mesmo, por completo? Só sou verdadeiro e sincero, quando sou falso e mentiroso? E o pior, comigo mesmo? Não sei dizer. Mas também pode ser mentira.
Eu estava quieto. Completamente quieto. Não queria confusão. Pensando bem, eu não queria nem mesmo sentar aqui e escrever isso. Engraçado. Acordei com a necessidade, incontinente, de fazer alguma coisa. Me senti inspirado por algum momento. Poderia ter composto uma música, poderia ter tirado das gavetas meus velhos materiais de desenho, poderia simplesmente ter feito um sanduíche movido pela inspiração. Mas, sinceramente, não disponho de muito talento pra nenhuma dessas coisas. Resolvi sair pra andar. Caía uma garoa ótima, e o vento soprava convidativo. Há tempos ele não soprava assim. O tempo há muito se mantinha parado. As árvores não se moviam, o céu era azul demais, e as pessoas - pra variar – nada faziam. Pelo menos agora correm da chuva. Ainda acho que fariam muito bem em correr com ela. Mas não quero me ater a essas pequenezes. As minhas próprias não me deixam. São grandes demais pra isso.
Mas eu não queria ficar quieto, e por isso resolvi sair por aí, nem que fosse pra arrumar confusão. Coisa que eu fazia muito bem, quando mais novo. Garoto problema, diziam. Como era frustrante isso. Sentia-me excluído, deslocado e, por isso, triste. Deprimido e deprimente. Até que me dei conta. Isso era o melhor em mim! Ser chamado assim, definido como problemático. Significava ser diferente! Melhor, pior... Não sei. Mas era diferente. Isso não era o que importava. Mas é o que importa agora. Burros! Nunca se deram conta de que, por me tratarem assim é que eu era assado. Que se dane. Hoje, particularmente, adoro esse meu passado. E isso, também, pode ser mentira.
Fato. Confusão armada, e eu me sentia eu de novo! Era tudo favorável, era tudo bonito demais pra ser verdade! A chuva, o desespero das pessoas correndo dela, eu me metendo em encrencas... Me sentir molhado já era o bastante. Mas isso tudo, era tudo demais! Engraçado - sim, minha vida é engraçada -. O demais, realmente, nunca parece ser o bastante. Nunca o foi pra mim. Sempre vivi para o demais, para o que não parava nunca, para o que vararia a noite, como criança pervertida - a noite -, gritando por sempre mais, mais, mais! Chorei demais, amei demais, sonhei demais, enlouqueci. Afinal, enlouquecer é o próprio demais da história toda. Nunca se enlouquece demais, a mais. Enlouquecemos, pronto. E isso é o limite. Limite do quê? Não sei, exatamente. Tenho uma idéia, mas só serviria para os loucos, e ninguém que leia isso é louco o bastante. Então, deixa pra lá.
Confesso que foi até difícil voltar pra casa depois disso tudo. Tento concatenar as idéias, ainda. Mas compreendo a complexidade dessas coisas todas. E isso pra mim, por agora, é o bastante. O quê? Não, não falava da complexidade das coisas que escrevi. E sim, das que não descrevi. De toda a confusão que você, agora, deve estar louco pra saber de que se trata.        Acontece que eu sou um compulsivo. Escrevo compulsivamente, como compulsivamente, leio, canto, bebo, falo, penso, sou. A chuva, a inspiração, toda a confusão. Tudo isso aconteceu, podes crer. Mas, pensando bem, pode ser tudo mentira.
           Agora, voltando ao início de toda essa falácia, não sei mesmo o que fazer com isso que tenho nas mãos. Afinal, já voltei pra casa, a chuva já passou. Não faria sentido algum eu sair com esse guarda-chuva. E não sei mais o que fazer, mesmo.

Um comentário:

  1. Genial. Como sempre.

    Mais uma vez, as superficialidades da vida dissecadas a olho clínico - cínico - e jogadas á cara do leitor como essa chuva que pretensamente caia.

    Me sinto grande lendo isso. E fico pequena para sentar e escrever. Acho que sou, também eu, uma poça.

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