terça-feira, 29 de setembro de 2015

Crônicas De Um Serial Killer



             Sangue Inocente  


              

               

                Pois bem, doces crianças sedentas pelo retrato da vida, não como ela é, necessariamente, mas como deve ser. Cá está este pretenso realizador de vossas mais doces e irrealizáveis tentações. Contarei para vocês, desde o início, como se deu a ascensão infame deste astro de seus indizíveis prazeres. Ou talvez desde o fim. Ou talvez eu conte o que eu quiser. Quer queiram, quer não.
                Eu tive um gato, certa vez. Uma vez. Pra nunca mais. O filho da puta me odiava, como qualquer gato odeia qualquer pessoa no mundo. E, engraçado, por mais que eu odiasse o felino eu não conseguia, não podia, viver sem ele. E, o pior, não podia dar cabo do bicho. A culpa – maldita palavra – me perseguiria para sempre. Mas como eu o odiava. Com todas as forças da minha alma – que era forte, eu já sabia – eu o detestava e queria vê-lo em agonia de sofrimento mortal. Então surge meu primeiro vislumbre. As paredes.
                Ah, sim. Você já deve ter ouvido de um certo personagem de um certo conto de um certo escritor que cimentou seu gato na parede. Isso foi lindo, pois qualquer sepultamento de qualquer gato é lindo. Mas não é muito esperto. Então, não. Não foi minha ideia. Primeiro que eu seria o primeiro suspeito do gaticídio. O Gato era meu, a casa era minha, as paredes ridiculamente pintadas eram minhas. E eu jamais seria capaz de rebocar uma parede com perícia suficiente para enganar alguém. Sendo assim estava decidido. Meu vizinho mataria a porra do Gato. E nem tomaria conhecimento. E eu ri. Ah, como eu ri.
                Em casa eu tinha tudo de que precisaria. Nada que fosse suspeito. Nada que alguém fosse dar falta. A começar por mim, você já deve pensar. Mas, não. A começar pela minha vida, sim. Porque eu sou alguém, você é alguém, todo mundo é alguém. Mas todo mundo é gente demais, gente simples e qualquer demais. Mas eu queria ser um astro, lembra? Então, minha primeira ferramenta tinha que ser minha vida, que ninguém daria falta. Como um rock star, mesmo antes da maldita fama, eu sabia que podia fazer o que quisesse, porra! E isso eu já expliquei demais, também. Se até agora você não entendeu, vá embora!
                Mentira. Fica até o final. Por favor.
                Então, onde eu estava...? Ah, sim! Eu tinha tudo que precisaria, em casa. Minha vida ignorável, meu gato e meu talento. Não seria fácil, pois o Gato jamais concordaria com o meu plano rumo a fama. Ele me odiava. Mas o ódio é a grande arma secreta da culpa. Pois resolvi que seria, dali em diante, indiferente ao felino. Afinal de contas, sendo uma criatura perfeitamente racional, eu podia escolher o meio termo, ao invés dos óbvios dolorosos. Por quê amar, se eu podia simplesmente me foder para o bicho? Por quê odiar, se eu podia agir da mesma forma? No fim das contas é tudo a mesma coisa. Daí meu plano incrivelmente perfeito entra em ação. Numa noite qualquer, só mais uma em que eu estava acordado contrariando o senso comum do sono, me peguei sozinho com o Gato – o que é uma péssima definição de “sozinho” – e o estrangulei. Me levantei e, com a janela lateral já aberta – fazia um calor de matar – joguei o corpo mole como um fantoche na varanda do vizinho, que eu também odiava. Esperei ansiosamente por batidas na porta ao raiar do posterior. Nada. Como era fim de semana eu não tinha que ir ao trabalho. Então esperei por todo o dia. E por toda a noite. E pelo dia e noite seguintes. Sem comer, sem dormir. Triste por não saber o paradeiro do meu querido gato.
                Foi  quando percebi que somente colocar a culpa no outro não era a melhor forma de se mostrar. Pois se um gato amado, companheiro por tantos anos, não havia sido dado por falta, ninguém mais seria. Precisaria de algo mais. E que se fode-se o meu vizinho! Matou meu gato e ficou por isso mesmo. Ninguém mata meu gato e fica por isso mesmo!
                Felizmente esse é só o começo. Deixa ele.

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