terça-feira, 4 de junho de 2013

O Sapo Cantor

Era uma vez um brejo qualquer, desses que se vê por aí, sem nada demais, sem nada de menos. Era um brejo molhado, sujo e lamacento, como qualquer outro. Nesse brejo tinha muitos bichos. Tinha peixe, tinha mosquito, tinha lesma e até cobra. Um tanto de planta e um tanto de água. Nada demais. Nada de menos.
Pois nesse brejo sem nada demais também tinha um sapo, como qualquer brejo tem. Mas tinha uma diferença. Era um sapo que queria coisas diferentes, coisas grandes e intocáveis. E a maior delas era ser cantor. Como o Sapo queria muitas coisas, vamos falar somente da maior delas. Sim! O Sapo queria ser cantor. O problema é que, desde pequenininho, quando era apenas um girino, todos riam da vontade do Sapo. Como, algum dia, poderia ser o Sapo um cantor? Quem acharia a voz de um sapo tão bonita a ponto de comprar um disco seu? Era o que todos perguntavam. E o Sapo se entristecia, e o Sapo ficava com raiva de ter nascido sapo. Mas o que o Sapo não fazia era deixar de cantar. Sempre que chegava a noite no brejo, quando a maioria dos bichos estava acordada e barulhenta – porque é assim no brejo – o Sapo começava a cantar. No meio de tantos outros sons de sapos, de grilos e outros tantos bichos, o Sapo cantava e não se envergonhava. Porque no meio de todo aquele barulho, quem poderia saber que ele estava treinando a sua voz? Era só mais um barulho no meio de tantos outros.


Mas não era bem assim. Porque a voz do Sapo era muito bonita. Não era só um barulho qualquer num brejo qualquer. E para o Sapo ele era o maior cantor do brejo, mesmo que fosse um brejo qualquer. E seria ainda o maior cantor de todos os brejos de todo o mundo. Qualquer brejo seria um brejo qualquer se tivesse o Sapo cantor dentro dele, porque ele era bom demais. Mas isso ainda era sonho distante, porque ninguém acreditava que o Sapo poderia ser um cantor. E assim, todos riam dele, mas o Sapo não parava de cantar. E foi assim, cantando e sendo criticado, que um dia não mais se ouviu o cantar do Sapo. Não perceberam isso durante a noite, porque tinha muitos outros barulhos. Mas de dia, quando todos acordavam já esperando a voz rouca do Sapo romper o silêncio da manhã, houve uma grande surpresa. O Sapo não cantou. No começo todos sentiram grande alívio, pois finalmente o Sapo tinha deixado de lado o sonho doido de ser cantor. E os dias foram passando, e o brejo era, como sempre, um brejo qualquer. À noite ninguém se importava se o Sapo tinha parado de cantar ou não, pois já havia muito barulho por ali. Até que uma vez, numa noite qualquer, alguns outros sapos conversavam e falavam sobre “aquele doido que queria ser cantor”. Em certo momento, um deles disse aos outros para ficarem calados, para poderem ouvir a voz horrível do sapo e rirem dele. Quando se calaram tiveram outra grande surpresa. Não ouviram a voz do Sapo. E não entenderam nada. Pediram aos outros bichos pra ficarem calados também, e o brejo ficou em silêncio. E ninguém ouviu o Sapo cantor. Todos então passaram a noite encucados, pois não sabiam o que tinha acontecido.
Pois logo pela manhã todos queriam saber o que se passava e foram procurar o Sapo. O encontraram então num canto qualquer arrumando as malas. Perguntaram se ele ia viajar, e pra onde.
- Vou-me é embora daqui – disse o Sapo. Todos se assustaram com a resposta e quiseram saber porquê ele ia embora.
-Desde girino – disse o Sapo – eu queria ser cantor e todos vocês riram de mim. Eu só quis ser e fazer diferente de tudo o que sempre se faz e é por aqui. Mas vocês sempre disseram que eu era doido, e que um sapo nunca poderia ser cantor. Durante todo esse tempo eu só quis fazer os seus dias mais alegres, um pouco diferente do que sempre é todos os dias neste brejo úmido e sujo. Nesse tempo todo eu queria ser notado, mas também sempre notei vocês e achei que vocês precisavam de um pouco de música pra alegrar os dias, mas vocês sempre quiseram uma bela voz, somente. Talvez algum bicho mais bonito ou afinado, e não um sapo qualquer. Por isso digo a vocês, amigos: vocês são a pior platéia que um sapo poderia ter. E por isso repito: vou-me é embora daqui.
Os bichos, então, sentiram uma tristeza muito grande por tudo que sempre fizeram com o Sapo, e alguns até choraram, vejam só! Os que puderam falar pediram ao Sapo que ficasse, e pediram perdão por tudo que tinham feito até então. O Sapo ouviu tudo até o fim, aceitou os pedidos de desculpas e com um sorriso no rosto, abriu o bocão e cantou uma bela canção de “Adeus!” em dó maior pra que todos, enfim, ouvissem, em silêncio, o que ele sabia fazer.
Hoje o Sapo é um grande cantor e deixa alegria e surpresa por onde passa com sua bela voz. E mesmo onde não gostam dele, sempre com um belo sorriso no rosto, ele abre o bocão e canta o seu “Adeus!”, para depois sair pulando e ir cantar em outro lugar.

E hoje os bichos do brejo perceberam que o seu lugar ficou mais triste e lamacento depois que o Sapo se foi. Perceberam que continua sendo um brejo qualquer, com uma grande diferença. Ninguém canta mais. Mas ainda se alegram de certa forma, e tem esperança, pois perceberam que mesmo o seu brejo pode ser mais bonito, mais alegre, quando entenderam que até um sapo pode ser cantor.

5 comentários:

  1. Muito bom Vercilo !!! Afinal, se d'um brejo qualquer nasse um sapo que não é um sapo qualquer, esse brejo passa à não mais ser um brejo qualquer !!!

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Abordagem de um assunto tão delicado de forma sutil, não só para crianças, mas adultos também podem se deliciar com esse texto. Sou mãe de dois filhos que já estão lendo...

    ResponderExcluir
  4. Noooooossa!!!!
    Lindo,me emocioneiiii demais aqui,mesmo com os meu problemas aqui,só penso na nossa pequenina Anna Clara.
    Acho que vc deveria escrever um livro.
    Te amo muito meu irmão!

    ResponderExcluir
  5. Olá, estou passando para parabenizar seu Blog. Gostei muito da atmosfera daqui, tudo aqui é feito com esmero e maestria, dá gosto de ler. Se quiser, dê uma conferida no meu. Obrigada!
    http://madamshadow.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir