Era uma vez um
brejo qualquer, desses que se vê por aí, sem nada demais, sem nada de menos. Era
um brejo molhado, sujo e lamacento, como qualquer outro. Nesse brejo tinha muitos
bichos. Tinha peixe, tinha mosquito, tinha lesma e até cobra. Um tanto de
planta e um tanto de água. Nada demais. Nada de menos.
Pois nesse brejo
sem nada demais também tinha um sapo, como qualquer brejo tem. Mas tinha uma
diferença. Era um sapo que queria coisas diferentes, coisas grandes e
intocáveis. E a maior delas era ser cantor. Como o Sapo queria muitas coisas,
vamos falar somente da maior delas. Sim! O Sapo queria ser cantor. O problema é
que, desde pequenininho, quando era apenas um girino, todos riam da vontade do Sapo.
Como, algum dia, poderia ser o Sapo um cantor? Quem acharia a voz de um sapo
tão bonita a ponto de comprar um disco seu? Era o que todos perguntavam. E o Sapo
se entristecia, e o Sapo ficava com raiva de ter nascido sapo. Mas o que o Sapo
não fazia era deixar de cantar. Sempre que chegava a noite no brejo, quando a
maioria dos bichos estava acordada e barulhenta – porque é assim no brejo – o Sapo
começava a cantar. No meio de tantos outros sons de sapos, de grilos e outros tantos
bichos, o Sapo cantava e não se envergonhava. Porque no meio de todo aquele
barulho, quem poderia saber que ele estava treinando a sua voz? Era só mais um
barulho no meio de tantos outros.
Mas não era
bem assim. Porque a voz do Sapo era muito bonita. Não era só um barulho
qualquer num brejo qualquer. E para o Sapo ele era o maior cantor do brejo,
mesmo que fosse um brejo qualquer. E seria ainda o maior cantor de todos os
brejos de todo o mundo. Qualquer brejo seria um brejo qualquer se tivesse o Sapo
cantor dentro dele, porque ele era bom demais. Mas isso ainda era sonho distante,
porque ninguém acreditava que o Sapo poderia ser um cantor. E assim, todos riam
dele, mas o Sapo não parava de cantar. E foi assim, cantando e sendo criticado,
que um dia não mais se ouviu o cantar do Sapo. Não perceberam isso durante a
noite, porque tinha muitos outros barulhos. Mas de dia, quando todos acordavam
já esperando a voz rouca do Sapo romper o silêncio da manhã, houve uma grande
surpresa. O Sapo não cantou. No começo todos sentiram grande alívio, pois
finalmente o Sapo tinha deixado de lado o sonho doido de ser cantor. E os dias
foram passando, e o brejo era, como sempre, um brejo qualquer. À noite ninguém
se importava se o Sapo tinha parado de cantar ou não, pois já havia muito
barulho por ali. Até que uma vez, numa noite qualquer, alguns outros sapos
conversavam e falavam sobre “aquele doido que queria ser cantor”. Em certo
momento, um deles disse aos outros para ficarem calados, para poderem ouvir a
voz horrível do sapo e rirem dele. Quando se calaram tiveram outra grande
surpresa. Não ouviram a voz do Sapo. E não entenderam nada. Pediram aos outros
bichos pra ficarem calados também, e o brejo ficou em silêncio. E ninguém ouviu
o Sapo cantor. Todos então passaram a noite encucados, pois não sabiam o que
tinha acontecido.
Pois logo pela
manhã todos queriam saber o que se passava e foram procurar o Sapo. O
encontraram então num canto qualquer arrumando as malas. Perguntaram se ele ia viajar, e pra onde.
- Vou-me é
embora daqui – disse o Sapo. Todos se assustaram com a resposta e
quiseram saber porquê ele ia embora.
-Desde girino –
disse o Sapo – eu queria ser cantor e todos vocês riram de mim. Eu só quis ser
e fazer diferente de tudo o que sempre se faz e é por aqui. Mas vocês sempre disseram
que eu era doido, e que um sapo nunca poderia ser cantor. Durante todo esse
tempo eu só quis fazer os seus dias mais alegres, um pouco diferente do que sempre
é todos os dias neste brejo úmido e sujo. Nesse tempo todo eu queria ser
notado, mas também sempre notei vocês e achei que vocês precisavam de um pouco
de música pra alegrar os dias, mas vocês sempre quiseram uma bela voz, somente.
Talvez algum bicho mais bonito ou afinado, e não um sapo qualquer. Por isso
digo a vocês, amigos: vocês são a pior platéia que um sapo poderia ter. E por
isso repito: vou-me é embora daqui.
Os bichos, então,
sentiram uma tristeza muito grande por tudo que sempre fizeram com o Sapo, e alguns
até choraram, vejam só! Os que puderam falar pediram ao Sapo que ficasse, e pediram
perdão por tudo que tinham feito até então. O Sapo ouviu tudo até o fim, aceitou os pedidos de desculpas e com
um sorriso no rosto, abriu o bocão e cantou uma bela canção de “Adeus!” em dó maior
pra que todos, enfim, ouvissem, em silêncio, o que ele sabia fazer.
Hoje o Sapo é
um grande cantor e deixa alegria e surpresa por onde passa com sua bela voz. E
mesmo onde não gostam dele, sempre com um belo sorriso no rosto, ele abre o
bocão e canta o seu “Adeus!”, para depois sair pulando e ir cantar em outro
lugar.
E hoje os
bichos do brejo perceberam que o seu lugar ficou mais triste e lamacento depois
que o Sapo se foi. Perceberam que continua sendo um brejo qualquer, com uma
grande diferença. Ninguém canta mais. Mas ainda se alegram de certa forma, e
tem esperança, pois perceberam que mesmo o seu brejo pode ser mais bonito, mais
alegre, quando entenderam que até um sapo pode ser cantor.
Muito bom Vercilo !!! Afinal, se d'um brejo qualquer nasse um sapo que não é um sapo qualquer, esse brejo passa à não mais ser um brejo qualquer !!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAbordagem de um assunto tão delicado de forma sutil, não só para crianças, mas adultos também podem se deliciar com esse texto. Sou mãe de dois filhos que já estão lendo...
ResponderExcluirNoooooossa!!!!
ResponderExcluirLindo,me emocioneiiii demais aqui,mesmo com os meu problemas aqui,só penso na nossa pequenina Anna Clara.
Acho que vc deveria escrever um livro.
Te amo muito meu irmão!
Olá, estou passando para parabenizar seu Blog. Gostei muito da atmosfera daqui, tudo aqui é feito com esmero e maestria, dá gosto de ler. Se quiser, dê uma conferida no meu. Obrigada!
ResponderExcluirhttp://madamshadow.blogspot.com.br/