segunda-feira, 21 de março de 2011

Mingau de aveia

Eu estava sentado ali, naquele banco de metal, a espera do ônibus, e ninguém me via, e eu via ninguém, não ouvia ninguém, e não queria, se quer saber, não estava nem aí, cansado que estava ali, sentado e cansado e sentindo tudo a minha volta como a pele de um defunto sente o mais rude toque de um dedo, ou o cortar de um bisturi, se quer saber, eu não queria saber do que se sabe sobre os gatos e suas caixas areia, se eles podem comer mingau de aveia, eu não queria saber, mas ninguém estava nem aí, e me obrigavam a vê-los, ouvi-los, a suportar toda aquela espera pelo ônibus, mas se quer saber, eu nem queria ir pra casa, nem pra lugar nenhum, queria sentir aquela tarde fria, que já ia tarde, mas nada fria, e nisso tudo eu ria, pois via aquela admirável gorda nova, que foi atravessar a rua e quase caiu, porque não soube esperar os carros pararem, nem se lembrou de amarrar os cadarços, “que medo” ela deve ter pensado, e eu desalmado, pois esta havia ficado na cama sob as cobertas, saboreando o que eu não sei, nem vou saber, mas sei das nuvens, também novas, em seu velho movimento, seu suingue de corpo grande, moldando naquela tarde fria quente como o inferno o meu momento de melancolia, e eu ria, e sabia que mais cedo ou tarde, provavelmente tarde, o ônibus passaria, e teria aquela tarde um fim, enfim, e sem mim para lamentar, pois que ia me levar, o tal expresso perverso, e eu me expresso num verso, ou dois, de puro sentimento, impuro como uísque falsificado, como o ar que antes era puro, como o sorriso do Papa, e nessa linhas mal traçadas eu traço um mapa pra chegar até onde não sei onde, meu coração não responde, na verdade até se esconde, sem ter por onde começar a pensar, se é que coração pensa ou decide, por alguém ou alguma coisa, mas de nada adianta, minha boca nem canta, até tenta, mas nada sai, e a noite cai e eu nem quero estar aqui, queria ir pra um lugar que eu vi, num calendário no escritório, que mais me pareceu ilusório, e eu num devanear compulsório, descrevi na minha cabeça a rota, e na verdade ninguém se importa, e agora esse frio me corta, mas a tarde é quente e eu não entendo, minha vida parece um remendo, de tudo que vem sendo, se é que me entende, pois nem eu entendo, mas continua tudo acontecendo, e assim vou vivendo, como se usasse escafandro, sabe do que eu tô falando, sem nada de meandro, sem estar me gabando por nada que acontece aqui, que nem aqui eu queria estar, porque tudo que eu queria era estar em outro lugar, subir em algum monte, escalar, e lá no alto, quando alto me achar, perguntar ao Sol, velho amigo, “por gentileza, poderia tudo isto queimar?”.
Mas agora, estou indo embora. O ônibus já chegou, acabou a demora.


E minha música, agora, se esvai. Não sei mais o que ela contempla... o que ela atrai.
Se quer saber, perdi a fome.

Um comentário:

  1. Texto novo!

    Venho percebendo mudanças no formato da escrita... Se reinventar é sempre uma boa pedida.

    Quando aparecer praquele papo?

    Beijoca!

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